sexta-feira, 30 de maio de 2008

Escrevendo pelas orelhas


Martins Fontes / 210 pgs.


O embotamento que os saudosistas reiteradamente apontam na crítica de arte é algo que não tem vez nem espaço no trabalho de John Ruskin. Ao contrário, o texto deste esteta inglês talvez seja o ápice do envolvimento passional entre o crítico de arte e a obra em análise. Opositor contumaz dos emblemas da era Vitoriana, Ruskin permanece no imaginário dos continuadores do seu ofício como o exemplo de gênio a serviço do bom gosto e da moral. Em As Pedras de Veneza, um dos seus mais importantes trabalhos, o autor escarafuncha à exaustão as sutilezas arquitetônicas e históricas das pedras, paus, concreto e gôndolas espalhados pela cidade italiana. A influência deste livro no século XIX apenas começa no entusiasmo com que Marcel Proust o traduziria para o francês. Os escritos de Ruskin alimentam uma carga enorme de lugares-comuns com que as vítimas dos críticos procuram desdenhar das surras levadas por uma pena bem afiada. O fervor de algumas de suas idiossincrasias chega a ser caricatural, como na sua crença na decadência galopante de Veneza, ou como na sua rejeição ranheta às obras da Renascença. A acidez contra certas personalidades e hábitos ingleses do seu tempo lhe rendeu algumas censuras em diversas edições das Pedras. No que há de exagero, inclusive, o livro é um guia preciosíssimo para uma visita culturalmente minuciosa a Veneza, embora a edição em português continue esgotada.





Presses Universitaires de France/
128 pgs.



Simples e didático, La peinture italienne de Jean Rudel é mais um título da numerosa coleção francesa “que sais-je?”, que, abramos aqui um parênteses, aborda assuntos os mais distintos, e cuja emulação mais bem sucedida no mercado editorial brasileiro é a já clássica primeiros passos, da editora Brasiliense. Com o sucesso da empreitada, Luiz Schwarcz, então enfant terrible no mundo editorial nacional, saiu de lá foi montar a maior editora do Brasil, a Companhia das Letras. Fecha parênteses. O livro de Rudel, com a colaboração da historiadora de arte Sandra Costà, apenas raspa em discussões sobre pintores, suas escolas e estilos, deixando a desejar aos já mais profundamente iniciados no atávico universo pictórico italiano. Como apanhado histórico, tem o mérito de tratar com igual naturalidade tanto os rabiscos etruscos que introduziram a noção de arte na Roma antiga quanto os arroubos futuristas de Marinetti e seus seguidores, no início de século XX, o que, levado ao excesso, quase coloca o sorriso de La Gioconda de Da Vinci no mesmo patamar de um afresco qualquer produzido na década de 60.







Difel/ 280 pgs.


Estruturado em verbetes que facilitam a consulta rápida, 50 pensadores contemporâneos essenciais – do estruturalismo à pos-modernidade salvam o leitor da ignorância completa sobre o legado de diversos expoentes das ciências humanas, de Barthes a Sartre, de Hanna Arendt a James Joyce. A seleção dos nomes é, obviamente, arbitrária e nem um pouco exaustiva, com destaque a uma maioria de franceses e com a inclusão de alguns nomes questionáveis em razão do grau de importância. A ênfase na linhagem estruturalista denuncia o prisma intelectual do autor John Lechte, que tem como pálido cartão de visitas o fato de ter sido aluno de Julia Kristeva. Mesmo com as limitações evidentes, as menções aos pensadores têm valor por serem bem menos biográficas e bastante mais críticas do que se encontraria nos volumes empoeirados da Enciclopédia Britânica.

domingo, 25 de maio de 2008

FARINHAS QUE NÃO SE MISTURAM

A definição do nome que vai representar o Partido dos Trabalhadores na aliança com o prefeito Íris Rezende, tudo indica, só será feita no bojo de um consenso que obriga o PT a ser cabo eleitoral da reeleição do prefeito. A ala contrária ao acordo terá de se ajustar. A unção do nome para vice supera uma etapa, mas sugere que um “contencioso” político fica para discussão futura. PT e PMDB terão de traçar uma linha comportamental durante a ocupação da prefeitura pelo futuro vice, caso tudo se dê conforme as previsões das partes, porque a aliança visa dividendos mútuos a curto, médio e longo prazos.

Confirmada a reeleição de Íris, um fato plausível pelo cenário à frente, o modus operandi da campanha exigirá reajustes que permeiam os entendimentos de varejo, onde as conveniências políticas imediatas haverão de prevalecer acima de razões partidárias ou doutrinárias. Nem PT é aquela agremiação sectária nem PMDB pode ser tratado como a encarnação do oportunismo, dado o exemplo do partido no seu código fisiológico com o qual se credenciou, nacionalmente, a ser aliado incondicional dos governos federais.

Por deter expressiva bancada no Congresso e ser, em todo o país, o partido com maior capilaridade, ele desenvolveu um evangelho exclusivo para conseguir o milagre de jamais eleger um presidente, mas ser o maior beneficiário da vitória dos outros. Perde a cadeira presidencial, mas não perde a sombra que ela projeta pelo seu gigantismo técnico-burocrático e seu longo tentáculo político.

Na administração FHC e agora na gestão Lula, é o PMDB o fiel da balança para efeito de aprovar ou não medidas do interesse do governo. Em cada caso, a conta vem por um dos Estados, na cobrança de mais cargos federais, conforme o combinado. O PT, por sua vez e devido aos precedentes, despiu-se do sectarismo, do dogmatismo, abraçando com fervor revolucionário o pragmatismo como meio e como fim. Antes de chegar ao poder, tinha um bom discurso. Para permanecer no poder tem uma conveniente estratégia.

Por aqui, todo esse cacife político de ambos os lados será ponderado para a negociação de como o PT se prestará a trampolim para mais um mandato do prefeito e de como o futuro candidato ao governo, Íris Rezende, acenará com a contrapartida, uma vez conquistada a vitória ao governo. Tudo será discutido antes, seja no varejo, seja no atacado, levando-se em conta que quando estiver em pleno embalo da campanha de 2010, a retaguarda do virtual candidato Íris será a prefeitura sob o comando do vice, nascido da aliança de agora.

Supõe-se assim que a transferência do comando municipal será precedida de novos ajustes, definindo-se a correlação de forças entre PMDB e PT na ocupação dos cargos, o roteiro dos compromissos financeiros com empreiteiras e prestadores de serviços ao município. Importante, muito importante, será ajustar o calendário das inaugurações de obras às conveniências da campanha, canalizando dividendos eleitorais para o candidato. Mais importante ainda: nenhuma obra iniciada pela segunda gestão Íris poderá sofrer alteração em seu cronograma, de forma a serem inauguradas com placas e méritos tributados ao candidato do PMDB ao governo, ou seja, a prefeitura, sob o comando do PT, terá de seguir rigorosamente a cartilha redigida segundo a doutrina peemedebista.

O reconhecido autodidatismo do político Íris Rezende não permite que se perceba pendores amadorísticos em seu estilo de negociar entendimentos, sejam verbais, sejam escritos. De experiência para lidar com o poder e para assimilar a força política emanada do Palácio do Planalto o PT tem de sobra. E partirá desse cacife para estender seus domínios. Nenhuma aliança estaria condicionada à sua renúncia ao direito de alargar seus espaços. Muito pelo contrário.

Tudo remete às indagações: sendo o PMDB farinha de um único saco, e o PT farinha de um outro saco, o que poderá vir no desdobramento dessa aliança? Haverá química política capaz de misturar e confundir todos esses ingredientes políticos básicos para que tudo ocorra de acordo com o que sonham as partes? Ou haverá outras surpresas além do que comporta nossa vã especulação?

De exemplo a monumento

Vivo, atuante, padrão de decência parlamentar, o senador Jefferson Péres, 76 anos, escreveu uma das mais exemplares páginas de atuação política, destacando-se pelos valores morais em meio à paisagem moralmente árida do Congresso Nacional. Ali permaneceu como a encarnação da ética, conseguindo angariar a unanimidade nacional em termos de reputação. Vivo, incomodou muitos dos seus pares pelo toque da diferenciação com que se impregnava para reafirmar sua postura crítica e independente, em relação a tudo que fosse de encontro a seus princípios. Tudo fazia no equilíbrio entre seus pontos de vista e a responsabilidade de falar em nome de ponderáveis parcelas do povo, sem meias palavras.

Não transigia em seus ideais nem teatralizava em sua resistência para efeito de retorno em mídia. Bastava a força da coerência com que encadeava seus argumentos e modulava sua voz nas circunstâncias em que era dramaticamente reclamada para verbalizar legítimos protestos, oferecer alternativas políticas ou denunciar os descasos públicos. Em cada intervenção, a marca da honradez.

Morto, Jefferson continua a incomodar: obriga políticos das diversas matizes a unificarem os sentimentos de pêsames, deixando nas palavras impressas a reverência ao parlamentar de caráter diferenciado pelas inúmeras qualidades. O lamento da classe política chama a atenção do país para a natural transcendência. De senador admirável Jefferson se credencia a monumento à exceção comportamental graças ao exclusivo perfil esculpido em vida pública.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Escrevendo pelas orelhas


Sulina/ 142 pgs.

Com uma lista de signatários ilustres como Gustavo Franco, Roberto Damatta, Roberto Romano, Bolívar Lamounier, entre outros, Idéias e Conseqüências é um apanhado de um seminário realizado pelo Instituto Liberdade, entidade sem fins lucrativos que se propõe à discussão do Brasil sobre bases liberais. O objeto das exposições, ocorridas em 2006, vai da análise e reflexos da crise do mensalão, como no texto do cientista político Lamounier, até a defesa da necessidade de melhoria da educação básica, feita por Cláudio de Moura e Castro. O foco está torno da idéia de planejamento e reafirmação das potencialidades nacionais com o propósito de modernização econômica, social e política do Estado e da nação. Numa edição bem acabada, embora modesta, o livro chama atenção para um expediente ainda acanhado no mercado editorial brasileiro, a publicação em brochuras de textos de encontros, colóquios e congressos largamente ocorridos em todas as áreas. Talvez haja aí um filão intelectualmente muito mais promissor do que as opções editoriais que hoje infestam boa parte das prateleiras de livrarias país afora.





Record/ 320 pgs.


Referendado pela sua presença por semanas a fio na lista dos dez mais, Sobre o Islã – A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo coloca em pratos limpos muito dos temas relativos ao mundo árabe, onipresente desde o fatídico 11 de Setembro tanto nas rodinhas regadas a cerveja de pseudo-intelectuais quanto nas reuniões de cúpula nas Nações Unidas. Este livro de Ali Kamel, sociólogo, diretor-executivo do jornalismo da Rede Globo e autor de uma vigorosa coluna semanal em O Globo, põe à prova suas raízes árabes para desmistificar, com clareza e simplicidade, um amontoado de distorções e ignorâncias que desembocam na insanidade jihadista. Mostra ainda que há mais semelhanças entre Maomé a dita civilização judaico-cristã-ocidental do que pode supor a torpe filosofia de Osama Bin Laden. Por fim, realizando uma tarefa na qual falharam tanto o pentágono quanto o British Secret Intelligence Service, Kamel pratica uma defesa arrazoada da Guerra do Iraque, interpretando os porquês da invasão que terminou por levar Sadam Russein à forca. E melhor: sem os exageros com que Michael Moore tenta argumentar do outro lado da trincheira. Antes ou depois da leitura, vale conferir o elogioso comentário do livro, feito há alguns meses por Reinaldo Azevedo, disponível aqui.






Paz e Terra/ 206 pgs.

Antes de seu nome constar na listagem de ex-ministros tucanos que terão suas gestões devassadas pela linha de produção de dossiês e por outras formas de achaque constantes do receituário lulo-petista, Francisco Weffort já era referência acadêmica no estudo das manifestações do populismo no Brasil. O populismo na política brasileira, publicado em 1978, envelhece sendo ainda uma das obras fundamentais dessa chaga indomável na América Latina. Embora pareça desatualizado, o texto disseca os traços atemporais do personalismo na política, e fornece subsídios férteis para a dinâmica tão bem personificada por Adhemar de Barros, cuja foto, por sinal, serve de capa à última edição do texto. O último capítulo trata da teoria da dependência, última moda acadêmica na época em que outro uspiano, Fernando Henrique Cardoso, ainda não era o chefe de Weffort. É literatura obrigatória para quem quer pensar a empulhação do terceiro mandato e quetais a partir de suas raízes.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

PAREMOS PARA PENSAR

Para que ter tanta pressa no trânsito? Todas as ruas de Goiânia levam ao engarrafamento. Hoje, menos que amanhã. Portanto, antes de sairmos de casa dirigindo nosso próprio carro, façamos a escolha entre uma dose de sensatez ou o descompromisso implícito na mensagem “deixe a vida me levar”. Já em meio ao caos dos engarrafamentos o que seria mais recomendável? Explicitar nossa neurose ou nos transformarmos todos em filósofos especializados na análise do comportamento humano?

No dia-a-dia das ruas conflagradas pelo excesso de veículos e de gente estressada pela pressão do espaço e do tempo é que se conclui: o ser humano é o animal diferenciado dos demais pelos inúmeros defeitos da somatização.

Os demais animais instintivamente agridem por três fatores inevitáveis, incorporados à sua natureza: fome, defesa e reprodução. No ser humano, o animal mais imperfeito, nossa maneira de pensar e interagir foi se modificando pelas pressões e demandas sociais que nos colocam permanentemente no campo das disputas não só pela sobrevivência, mas por um conjunto de fatores que individualiza a maneira de se enxergar e se projetar no seio da sociedade.

No trânsito trava-se a batalha para se andar na frente, com o argumento de que se tem mais pressa, de que se está a bordo de um veículo mais potente ou tem-se a prerrogativa do cidadão com mais direitos e menos obrigações de ater-se às regras impostas para todos. É a rua o melhor reflexo do indivíduo e sua visão do conjunto da sociedade, principalmente a que está visivelmente refletida num dos mais caracterizados painéis do consumo em massa, desobrigando a matriz da invenção de qualquer responsabilidade quanto às conseqüências da produção em crescente escala.

O contexto conturbado da massa motorizada potencializa sua energia e os impulsos hostis, fazendo do trânsito intenso o campo experimental para vivenciar os diversificados perfis do dito cidadão, padronizado na posse de um singular bem de consumo durável.

Não são os outros que estão errados, somos nós que não temos condescendências com as falhas com as quais nos habilitamos a dirigir em meio ao caos, e delas nos valemos quando nos favorecem. Na convulsão diária não há bons ou maus motoristas, há cidadãos e cidadãs mais e menos civilizados, mais ou menos estressados, mais ou menos tolerantes, mais ou menos estúpidos, mais ou menos inconseqüentes.

Estamos no melhor momento para a formação de grupos de motoristas solidários, compartilhando o transporte e atenuando, ou adiando, a situação inevitável à frente. Nenhum motorista, cidadão ou cidadã em primeiro lugar, depende da orientação da autoridade pública para modificar seus hábitos e facilitar a vida de toda a sociedade. Nenhuma autoridade tem a faculdade de conhecer o cidadão como ele mesmo pode se identificar e se auto-analisar através do uso cotidiano do bom-senso.

Ou paremos para pensar ou voltemos ao dilema que nos acua: ficaremos com as nossas neuroses ou seremos filósofos para a indispensável reavaliação dos nossos incorrigíveis defeitos humanos, tão perceptíveis nas ruas?

Muda o contexto, não as CPI

O desfecho da CPI dos cartões corporativos surpreende quem não acompanha atentamente o jogo da política. Até hoje só a CPI do caso Collor fugiu à regra nos últimos 30 anos. Contra a profecia do líder do governo no senado, Jorge Bonhausen: “essa CPI não vai dar em nada”. Deu. O presidente Collor caiu. Vale rememorar a tradução política de CPI: Grupo de desocupados escolhidos por aqueles que não estão dispostos a fazer o desnecessário”.

Quer prova mais cabal do que o desfecho de agora? Existe dossiê, existe quem mandou fazê-lo, e existem os seus objetivos. Existe também quem o remeteu para fora do Planalto, existe testemunha e, sobretudo, existem provas dos gastos excessivos da Presidência. Existe ainda a pífia e absurda alegação: “São dados sigilosos, cuja violação poria em risco a segurança do Presidente e seus familiares”.

Conclusão: o governo rastreou com lupa de última geração a intimidade da presidência do antecessor, avançou pelas contas da então primeira-dama, fazendo chacota dos gostos do casal por comidas e bebidas típicas de gente de fino trato.

Celebridade é isso

Victória Beckham, mulher daquele jogador-modelo, faz jus à condição de celebridade. Garante que o salto alto de seus sapatos tem dupla vantagem: a torna mais alta fisicamente, mas o mais importante é que ele eleva sua capacidade cerebral. Supõe-se que não se trata do salto Luiz XV. Deve ser salto ferradura mesmo.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

BIOCOMBUSTÍVEL X BOICOMESTÍVEL

Cai o símbolo do PT política e ecologicamente imaculado. A ministra do Meio Ambiente Marina Silva se retirou para não comprometer suas raízes. Quando teve seu nome confirmado, a repercussão internacional foi avalizadora do governo petista, por antecipação. Numa jogada de marketing, estrategicamente inteligente, Lula, antes da posse, anunciou a indicação de Marina em visita aos Estados Unidos. Calculista, escolheu a melhor ribalta, na certeza do mais amplificado eco.

Aos olhos dos ecologistas de todo o mundo a esperança sofrera, na ocasião, positiva gradação cromática. Saiu do suspeito vermelho petista para reluzir em verde amazônico nacionalista.Marina, Lula e ecologistas tinham motivos para a universal confraternização ao sabor do guaraná, filho dileto da imensa mata, politicamente a mais decantada, internacionalmente a mais cobiçada.

Já na posse, a ministra levantaria a bandeira do desenvolvimento sustentável, isto é, casando-se o avanço econômico com o aproveitamento racional da natureza. A vastidão virgem, verde e berço ecológico inigualável permaneceria intocável. Depredação zero das florestas tropicais era o sonho cor-de-rosa da mulher feita de um outro barro. Lamentavelmente, soçobrou na onda predatória do verde, em vista da estratégia camaleônica do Presidente. Antecipando-se à cobrança de coerência no governo, pelo menos em questões do meio ambiente, Lula se descobriu em pleno processo de mutação (biológica ou psicológica, não importa), vivendo o ciclo da metamorfose ambulante.

Tendo-se blindado para oscilar à vontade, convenceu-se de que a bandeira teria de ser outra: a do crescimento sustentado, facilitando a expansão do agronegócio, consequentemente, adotando a permissiva política do dilatamento das fronteiras para a produção daquilo que melhor lucro obtém lá fora. A demora na liberação de licenças ambientais sinalizaria não o zelo, mas descaso da ministra ante o novo lema: o avanço nas exportações a qualquer custo.

Resta lamentar a pressa que o governo imprime às suas decisões políticas, quando é para remover entraves à pressão dos grandes investidores. Não há mais dúvidas de que o capitalismo sem fronteiras se impôs, e agora poderá expor, sem resistência, o tamanho das suas necessidades, medidas em quilômetros quadrados de mais glebas livre das incômodas árvores. Blairo Maggi já se apresentou, com discurso adequado para encarnar uma versão tropical do Bin Laden das florestas. Experiências não lhe faltam e seu último empecilho foi removido.

Caberá à ex-ministra, além do figurino de mãe da natureza, tamanho é o reconhecimento internacional pelo seu trabalho, verbalizar sua indignação na tribuna do Senado. Tem disposição amazônica para denunciar a agressão ao meio ambiente. Muito acima e distante da predadora concepção do governador do Mato Grosso de que floresta preservada e crescimento econômico jamais conviverão num mesmo espaço.

Parte dos grandes investimentos se volta agora para a produção do biocombustível. A outra parte é para aumentar o plantel do boicomestível. Em ambas as alternativas, paira a certeza de que quanto mais áreas disponíveis para plantação de cana ou para o dilatamento das pastagens, mais florestas serão derrubadas. Muitos mananciais hídricos serão comprometidos. Já considerado o maior produtor de álcool e maior exportador de carne, como se garantir a expansão das exportações a não ser com o aumento de produção? O fato de sermos economicamente maiores não significa que seremos socialmente melhores. Bem, pelo que já se viu esse equilíbrio sócio-econômico era tão-somente tese de campanha.

Como temos aqui um dos jornalistas mais capacitados para tratar, dentre outros temas, do meio ambiente e seus correlatos, Washington Novaes - nacional e internacionalmente tão bem posicionado quanto a ministra -, é melhor parar por aqui. Esta não é, definitivamente, a minha praia. Aliás, continuo à deriva, mas hei de encontrar ou uma praia ou um porto. Até lá, convém remar, contra ou a favor da maré. Tanto faz. Meu S.O.S. por enquanto é só pelo verde.

A tensão pré-reforma continua

Manda o receituário de Maquiavel que todo governo deve fazer o mal de uma só vez. Conveniente ainda é que seja no início de seu reinado, pois, assim, terá bom tempo pela frente para desfazer mal-entendidos, desmobilizar resistências e diluir ressentimentos. A reforma do governo não é, evidentemente, um pacote de maldades. O ônus político decorreu da distância entre o anúncio das medidas saneadoras e a chegada da proposta à Assembléia.

A expectativa gerou, naturalmente, apreensão, pois nenhum governo, às voltas com dificuldades de caixa, oferece pacote de bondades, mas de cortes, seja de verbas, seja de cargos ou ambos, além de outras cirurgias mais. Talvez, pelo que recomenda Maquiavel, aquela receita lá do passado pudesse ter sido seguida no presente, evitando o clima carregado pela certeza dos cortes e pela distância entre o anúncio e as intervenções cirúrgicas. E até agora não se sabe se haverá anestesia para todos os que sofrem o aumento da TPR - tensão pré-reforma.

Haja balança para tanto festival

Goiás pode vir a ter o espaço urbano com maior concentração de obesos por metro quadrado, pois já deve ser a Estado líder na promoção de eventos culinários. A moda do festival de comida disparou com o mesmo ímpeto da elevação dos preços dos gêneros alimentícios de primeira necessidade. Coincidência? Em cada município, um rico cardápio para atrair o turismo em massa (sem trocadilho). Até agora não se conhece os resultados no incremento do turismo, mas já se percebe reflexos nas silhuetas dos adeptos das novidades culinárias. É o tipo do festival no qual me incluo, apenas como observador.

Marimbondos de Ouro

Amigos históricos do senador-escritor José Sarney já o vêm alertando. A sua obra literária fadada a best-seller será aquela em que o cacique do Maranhão contar, nos mínimos detalhes, como, com tantos anos de entrega à política, conseguiu construir o alentado patrimônio – ele tem até uma ilha -, e para quem deve ir cada naco do tesouro a ser dividido. Além do sucesso de venda, o livro evitaria que se reproduza em São Luiz a parlenda pública das disputas pelo patrimônio do senador Antônio Carlos Magalhães, na Bahia. Há quem garanta ter sido ACM a versão baiana de Sarney. Há quem retruca: “Muito pelo contrário”. Cabe ao imortal acadêmico dirimir esta e outras dúvidas enquanto há tempo.

Mais realismo, menos onirismo

Cá entre nós, passivos cidadãos expectadores das alianças políticas e dos conchavos que antecedem as disputas: as oposições ao prefeito Íris Rezende deveriam ser mais pragmáticas e menos oníricas. Tratem logo da sucessão de 2010. O panorama à frente é diáfano: Íris será homologado para um segundo mandato. Verá, quem viver. Já vê, quem vive de olhos abertos.

sábado, 17 de maio de 2008

ASSEMBLÉIA PREFERE SESSÃO-DESCARREGO

Encontrar uma galinha preta numa caverna escura, onde ela nunca estará, é possível? E encontrar um deputado estadual, da base de apoio do governo, capaz de ir à tribuna fazer-se porta-voz da unânime insatisfação externada em reuniões fechadas, quando o projeto da reforma está sendo depurado, em todas as suas implicações políticas?

Da inferência de que as indagações não se justificam pelo disparate das duas situações convém formular outra conclusão: pouco importa saber onde estaria a galinha; importante é saber como fica a autonomia de um Poder Legislativo perdido na interpretação de uma proposta de reforma à espera de esclarecimentos. Viu-se com clareza que a bancada oficial renunciou ao direito de usar tribuna, optando por explicitar postura de altivez brandida em reunião secreta. Ali, sob o manto da reserva, unificaram-se as opiniões, em dura catarse, concluindo-se que o secretário da Fazenda exorbita de suas funções, aumentando, por conta própria, o tamanho do seu dedo indicador.

Não houve, encerrada a última sessão de descarrego, nenhum deputado disposto a vocalizar publicamente, por coerência ou convicção, o grau de insatisfação alcançado pela bancada? Ela encenou para si mesma uma pseudo-rebelião, e daí? Resultado prático, objetivo, nenhum. Seria Jorcelino Braga, com sua incomum luminosidade, capaz de ofuscar o reluzente emblema da delegação popular conquistada pelos deputados, inibindo todos de fazer o que tanto gostam: subir à tribuna, marcando posição para efeito de opinião pública?

Não é o caso de estimular dissidência ou rebeldia, apenas sugerir transparência, para que o público tenha uma melhor imagem do Legislativo. O fato de existir ali a oposição não legitima direito dos demais à omissão, quando é notória a sua insatisfação, purgada em ritual oculto.

Ao exercer duplo papel - independência entre quatro paredes e subserviência em plenário - esse grupo abdica do dever de contribuir para o Executivo ampliar a visão de conjunto. Ali se capta, com precisão, o tamanho da resistência à extinção da Agência Rural, dentre outros senões, pela suposição de ser a Assembléia caixa de ressonância popular. Mas para reafirmar esse status, não basta a legitimidade institucional, é preciso elevação do padrão de funcionalidade pelo zelo do seu dever e qualidade da ingerência nas questões da sua alçada. Autonomia não deve ser mera peça de ficção, mas uma bandeira que revitaliza a instituição.

Contra todo um conjunto de argumentos de resistência ao fim da Agência Rural, prevalece uma determinação. Ela implica dispensa prévia de um debate parlamentar amplo em torno daquela e de outras propostas, se tempestivas e inevitáveis, rigorosamente complexas o suficiente para justificar discussões aprofundadas.

A convicção de que concentração de poder supõe supressão de autoridade faz estabelecer seu contraponto na elevação da desconfiança da parte esvaziada. Em litúrgico silêncio, porém apreensivos, os deputados captam apenas a evolução do processo.

Impondo-se a lei do silêncio, no momento em que formata, em particular, um novo conceito do secretário formulador das medidas, a bancada de apoio ao governo induz à idéia de colaboração, assumindo sacrifício e desgaste. Mas demonstra acumular ressentimentos, confundindo, convenientemente, o alvo das suas censuras.

Em aval à atuação omissa da bancada, registra-se que a Assembléia aguarda a presença de técnicos para esclarecer pontos nebulosos da reforma, quando deveria ouvir diretamente o patrono da turma, em sessão aberta, se não há nada para esconder do público. A figura principal, o Secretário, ou prefere dispor de mais tempo para controlar os gráficos das receitas e despesas ou não está interessado nos desdobramentos políticos das medidas. Quem sabe não esteja vendo aquele Poder apenas no seu papel homologatório, tantos são os precedentes? A rigor, é a Assembléia quem se reduz por não convocar o Secretário e nem estranhar que ele não se ofereça para um debate esclarecedor, tendo sido ele o protagonista dessa complexa novela.

O tête-à-tête entre Parlamento e figuras de proa do Executivo é rotina em instâncias maiores. A presença da ministra Dilma Rousseff no Senado, há poucos dias, deveria servir de estímulo para que a bancada, em mínimo arroubo de autonomia, convocasse o secretário da Fazenda. Mesmo que fosse para ouvir dele um sonoro não, dos tantos que ele vem pronunciando para todos os setores do governo, indiscriminadamente. Justiça-se-lhe faça: ele não só não discrimina, como não abdica da sua vontade.



P.S. O feito desautorizando o dito. Prestemos atenção na cena (jornal O Popular) onde Jorcelino aparece assinando acordo com o Ministério Público para a fixação da cota mínima de repasse de verbas à Secretaria da Saúde. É o caso de perguntar: Cairo de Freitas caiu por má gestão, pela falta de repasse mínimo ou por ter posto à prova o voluntarismo de seu desafeto, regente das finanças? Pensando bem, aquele flagrante fala por si, pelo que revela de contradição.


quinta-feira, 15 de maio de 2008

Escrevendo pelas orelhas


Círculo do Livro/ 232 pgs.



Consagrado como um mestre dos romances thriller, Trevanian, pseudônimo do norte-americano Rodney William Whitaker, é por si só um personagem que faria bonito se aproveitado nas páginas de suspense bem administrado compostas pelo autor. Em O Verão de Katya um narrador amargurado remonta à sua juventude como médico recém-formado, no verão de 1913, quando então se encantaria pela enigmática Katya, personagem semelhante a uma Capitu da Belle Époque. A Rua de Matacavalos em questão é Salies-les-Bains, no sul da França. As reminiscências do narrador-personagem são trespassadas pelas fortes impressões de um basco no ambiente francês. O relacionamento de algumas semanas de Jean-Marc Montjean com a família Treville, misteriosamente provinda dos salões parisienses, vai sendo composto a partir de um acidente doméstico sofrido por Paul, irmão de Katya e personagem crucial na trama. O suspense torna-se um elemento mais visível no enredo a partir da metade do livro, o que inibe qualquer artifício do autor a sobrepor-se à história.





Penguin Readres/ 100 pgs.


O leitor que começar distraidamente a encarar East of Eden, na edição inglesa da Penguin Readers, terá praguejado John Steinbeck pela pobreza de sua prosa antes da metade do livro. Estará, entretanto, emitindo juízo parcial e, pior, adquirirá a consciência de que o erro fora seu ao escolher na prateleira um livro que não é mais do que um compacto do texto original do autor de As vinhas da Ira. Penguin é uma editora cuja marca é oferecer livros em linguagem acessível aos poucos familiarizados com a língua de Shakespeare, o que pressupõe, portanto, “reescrever” textos consagrados com finalidades didáticas. A decepção que esta edição proporciona a quem pretendia – de posse de seu inglês macarrônico ou não – adentrar na literatura de Steinbeck não pode ser desestímulo a conhecer esta obra do norte-americano que conta a história de duas famílias, os Trasks e os Hamiltons, na terra natal do autor, Salinas Valley, na Califórnia. Com a presença forte de mitos e parábolas bíblicas, nem a versão “editada” do texto pode mascarar as nódoas inegáveis de naturalismo e determinismo hereditário, já não mais tão em voga nos 1950, quando o livro é publicado. Tem-se aí uma novela reveladora do estilo com que Steinbeck foi laureado prêmio Nobel.





Biblioteca Folha/ 94 pgs


Em oposição à versão do livro apresentado acima, Thomas Mann é opção certeira em matéria de densidade psicológica dos personagens, esse quase termômetro da qualidade ficcional. Os Buddenbrook é tido como um dos mais autobiográficos livros do alemão, mas é em Morte em Veneza que se vislumbra com clareza a familiaridade com que Mann lida com questões relativas ao seu universo particular. O livro narra a viagem solitária do personagem Gustav von Aschenbach, um escritor de sucesso, conterrâneo da Munique de Mann, à cidade das gôndolas do Adriático. Os lampejos do narrador sobre a condição de Aschenbach transparecem uma fina percepção, ora condescendente, ora ácida, que Mann tinha do próprio ofício. Há a notícia, contada por biógrafos, de que o escritor alemão de fato se hospedou, em 1911, no Grand Hôtel des Bains, local de estada do personagem Aschenbach, ocasião em que, como seu alter ego, também se apaixonara de maneira doentia por um garoto lá hospedado. As constantes alusões à mitologia helênica funcionam como uma moldura ao tema da pederastia - cara aos gregos, e velada nas consciências de Aschenbache e do próprio Mann. Nas entrelinhas do enredo, Morte em Veneza pode ser um intróito poderoso à literatura filosófica de Thomas Mann. Paradoxalmente, para quem busca pelo título uma ficção de suspense, encontrará nos livros acima, mas não neste, o que procura.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

CANDIDATURA INFLACIONÁRIA

A grande imprensa especula cada vez mais. Por aqui também começam a bater na mesma tecla. Enquanto isso o personagem em foco amplia suas aparições, exibe aquele sorriso automático, mesmo que esteja em velório. É incrível como antes de ser político, na melhor acepção da palavra, um reputado executivo sabe o caminho para sua fácil assimilação junto ao eleitorado. Invariavelmente afável, sua fleuma inglesa, muito rara cá nos trópicos, onde é a sisudez a prevalecer na uniformização das fisionomias mais caboclas, faz a diferença a seu favor.


O primeiro impacto que a cogitação de sua candidatura ao governo vai provocar será no custo da campanha. Pela fama e pelo figurino Henrique Meirelles vem com tudo. Sabe de A a Z o poder irresistível e avassalador do dinheiro. Foi o deputado federal mais votado, mesmo tendo dado as caras por aqui nos finalmente da campanha. Sua simpatia e o inseparável charme de executivo top de linha contam, e muito. À frente do Banco Central, onde segurar a inflação é garantia de mais sucesso – se é que ainda precisa -, essa experiência também contará para evitar que sejam, de fato, inflacionados os serviços de campanha, tendo ele no epicentro das disputas.


O problema é que a lenda em torno de sua candidatura criou um grave precedente. Desfazer essa imagem é ponto capital para o sucesso de seu próximo empreendimento na área política. Se é que a sua base de sustentação não venha concluir ser Goiás pequeno demais para um executivo diplomado numa das maiores bancas financeiras dos Estados Unidos. O caixa do Banco de Boston, onde ele se revelou pelo talento, deve ser pelo menos mil vezes maior que a Secretaria da Fazenda. Mas gosto é gosto.

Nem sempre fama é tudo

A apresentadora de televisão Hebe Camargo deu o grito. Foi à polícia dar queixa do roubo de parte de suas jóias. Um sarcástico deputado dizia ontem em Brasília que assessores de dois deputados paulistas, Paulo (Maluf) e Paulo (Força Sindical) trataram de, imediatamente, comprovar que ambos não deixaram Brasília nos últimos dias. Então, dona Hebe, não vá levantar suspeitas por sua conta. Deixe que a Polícia de São Paulo investigue.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

É A LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE CONTA

Estou sendo questionado por não ter escrito nada sobre as notícias de que o senador Marconi Perillo passa à mira do procurador geral da República, sujeito aos desdobramentos jurídicos das denúncias publicadas pela semanal Época. Veja bem: no que concerne à postura profissional, tudo que escrevo nos jornais, revistas, e também no blog, dá coerência à minha intrínseca independência intelectual, mas não me autoriza a substituir a Justiça para avançar pelo campo do julgamento moral de quem quer que seja.

O cidadão, antes de me apontar contradições ou omissão, honra-me com a leitura do que escrevo. Só não tem o direito de interpretar o conteúdo com a ótica desfocada do que venha a ser o conceito de ética, a que todo profissional que se preze, deva se submeter. Seja como dogma, seja como hábito. Fico com os dois, um por princípio, outro por vício.

Conduzo meus argumentos, críticas, análise, especulações, ironias, denúncias etc. nos estritos cânones da responsabilidade, o que explica nunca ter sido processado, obrigado à retratação pública ou privada, pagamento de indenização por danos morais, pedidos de desculpas impressos ou nos tribunais.

Lá se vão 36 anos de exercício e aprendizado jornalísticos sem a amarga experiência do que seja reportar à Justiça, por conseqüência dessa orgulhosa travessia. (Já escrevi aqui: fui questionado por um delegado de polícia, tendo a Justiça arquivado o processo, despido do amparo legal).
Então, nobre anônimo, a mim não falta imparcialidade, e abundam sensos, de responsabilidade e de ética. A você falta isenção de ânimo: quer que eu “bata” no senador, a priori, deixando de lado seu companheiro desse infortúnio midiático, Alcides Rodrigues. Sequer foram ouvidos, mas lidos e vistos em diversos jornais e televisões.

Não irei, por inúmeras razões, dar a contribuição para um julgamento prévio, decorrente de tanta exposição dos personagens em questão. Pela visão de vossa excelência, o que os envolve já é questão transitada em julgado, mas cabe somente a mim, nomeado arbitrariamente por um anônimo, o papel de juiz da vossa conveniência. Seria meu dever, liminarmente, condenar a parte (Marconi) pelo todo. A instância que propõe delegar-me tal poder avoca para si a legitimidade e recusa-se a apresentar, sequer, sua identidade. Que contra-senso!

O que me embala na resposta a um cidadão virtual não é o diletantismo. É apreço à liberdade de expressão. Sua importância transcende esse espaço para dar direito até aos anônimos de se manifestarem. Só não posso atender à sua açodada e emocional expectativa. Se o decepciono, não é por capricho, é pelas razões acima explicitadas e devido às suas paixões, políticamente dissimuladas. Para não falar do conveniente apriorismo. Por fim, ao abrigo da coerência, não convém desconhecer o direito de ambos –Alcides e Marconi -, ao benefício da dúvida. Até onde os conheço, pelo longo relacionamento profissional, e só por isso, assino embaixo pela reputação e pelos seus antecedentes políticos. E tenho dito (escrito).

domingo, 11 de maio de 2008

À BENDITA SANTA DOS NOSSOS DIAS

Meu domingo começou ótimo. Poderia ser melhor se não estivesse a mil quilômetros da minha mãe, dona Rita de Souza. Cumprimentá-la para agradecer seu imorredouro amor é minha rotina dominical, sem desconhecer a data especial, quando seu carinho parece se multiplicar nas doces palavras devolvidas ao telefone. As melhores mensagens de incentivo para que prossigamos na luta reverberam, como bênçãos que só às mães cabe ministrar pela distinção da natureza e, seguramente, por terem elas o privilégio da delegação divina.

Mãe de seis filhos - o caçula conta 58 anos -, avó de mais de duas dezenas de netos, muitos bisnetos e alguns trinetos, ela tem muito que nos ensinar. Estou feliz no plano das relações filiais. Afinal, dona Rita contabiliza 95 janeiros, muito desse tempo gasto em conselhos a mim - a ovelha desgarrada que a deixou em Belo Horizonte nos idos de 1966, aqui aportando para se estabelecer.

A opção de externar hoje sentimentos tão íntimos talvez seja a melhor maneira de dizer à sociedade que esse cidadão tem na sua matriz geradora a mais cara lição de cidadania, absorvida ainda no berço redentor da mãe responsável, perto ou longe, fonte inesgotável do mais caloroso afeto e a mais vigorosa seiva para personificação do homem de bem. E não abro mão da imagem que faço de mim mesmo. Ela não é, de forma alguma, decorrência do triunfo da presunção, do cabotinismo aflorando no vácuo da auto-crítica em escassez. É a auto-estima exacerbada, advinda da herança genética passada por um ser humano especial, cuja dívida de gratidão tento amortizar sempre, e mais ainda em datas especiais, épocas que nos exortam a maiores reflexões. Enfim, um dia para celebrar o consenso entre todos os filhos gratos por suas mães maravilhosas. É o fluxo contínuo da relação de causa e conseqüência que nos identifica. Falo, com certeza, de todos nós, filhos muitos iguais porque irmanados hoje e sempre nas doces lembranças da infância, embalada por mãos sagradas porque únicas. Iguais porque, já adultos, elas nos oferecem a mesma devoção de outrora.

Quantas pessoas não gostariam de estar no meu lugar! Felizmente, muitos outros estão e estarão. Celebremos esse dia com a certeza de que amor de mãe é para sempre. Brindo o privilégio de tê-la lúcida, saudável, em idade tão provecta, dona de virtudes tão sólidas, postas à prova em trajetória de sucessivas dificuldades. Ainda assim, o conluio do destino não a desfibrou. Pelo contrário: é manancial dos bons exemplos, das mais ricas lições, senhora absoluta de indomável dignidade. Paro por aqui: lágrimas de saudade e de gratidão são mais eloqüentes. E nos tornam mais humanos. Convoco os meus iguais à sagrada devoção – hoje e sempre - à bendita Santa de todos os nossos dias.

Com Demóstenes e Voltaire

É, sim, antológica a observação do senador- procurador Demóstenes Torres: “O petismo e a mentalidade de esquerda têm uma tendência natural de refugar a legitimidade dos estatutos penais porque possuem a ilegalidade no DNA”. Um aparte, senador; data vênia, procurador. Tiro deste enunciado alguns esquerdistas, cuja história justifica minha ressalva.

Ronaldo e Unger, o país merece

Outra da oposição: o presidente Lula teria encomendado um minucioso estudo técnico-jurídico-estratégico, a cargo do ministro Mangabeira Unger, cuja pasta tem a sigla Sealopra. Estava nos planos do presidente transferir a Capital da República para sua terra natal, Garanhuns (PE). Mangabeira, conhecido por sua capacidade de imaginar e defender projetos extravagantes – a proposta de transposição das águas do Amazonas foi seu último delírio –, apontou viabilidade para o sonho de Lula. O presidente teria recuado em face da resistência das representações diplomáticas. Dizem por lá que quem nasce em Garanhuns é garanhão. Os embaixadores não aceitariam se expor ao risco do assédio de uma população desembestada. Já basta o que Ronaldo fez pelo toque de reforço da imagem do Brasil: país devasso por natureza e com a natureza.

Lula fez exame de consciência?

O primeiro casal da República, Lula-Marisa, fez exames preventivos de saúde em São Paulo no fim-de-semana. Como a oposição perde as grandes oportunidades de exercer seu papel, optando pelo varejo, já espalhou o boato:Lula teria ido ao hospital fazer exame de consciência. O presidente reconheceu que está mal com Deus, ao admitir em praça pública que fala até com o diabo. Católicos e evangélicos garantem que Lula não perde por esperar.

Criativamente correto?

O mago da campanha lulista, baiano por sinal (não venha depreciar o QI deles), Duda Mendonça, está chegando. Que ninguém na platéia, quando ele proferir palestra, ouse questioná-lo sobre aquela denúncia da imprensa de que 10 milhões teriam voados nas asas ( da Panair é que não foi), digamos, da sua imaginação, rumo ao exterior, longe dos tentáculos da Receita Federal. Duda vem falar de suas façanhas, publicitária e criativamente, corretas. Só?

Jorcelino é presente, FGV é passado

Se a Fundação Getúlio Vargas nada pode se opor – e não pode mesmo -, embora tenha sido dela todo o planejamento para a reengenharia do Estado, quando as agências tomaram o lugar de muitas secretarias tidas como ineficientes, por que deputados questionam o projeto de revisão do organograma do governo, de inspiração alcidesjorceliniana? Só porque a proposta praticamente extingue as Agências? Não, não é o caso para um raciocínio tão simplista. A proposta tem implicações a curto, médio e longo prazos. Tem suas vantagens orçamentárias, mas comporta óbvias variantes contábeis: lucros, danos e perdas do ponto de vista político.

Vamos por parte por questão de ordem. O slogan tempo novo precisava de uma marca administrativamente forte, já que politicamente o discurso e a juventude do governador conferiam a Marconi e ao seu staff o direito de evocar as inovações de sua gestão. A simples quebra de uma hegemonia produziria otimismo, gerando alentadas expectativas. Então, foi assim que a bem equipada usina de planejamento, geradora dos mais eficientes métodos de gestão pública, dentre outras virtudes concorrentes para a reputação de templo sagrado das idéias sócio-econômicas viáveis, a FGV, entrou na história e imprimiu por aqui a marca de sua modernidade, casando-se com as antecipadas promessas de diligências políticas nunca vistas. Os princípios da funcionalidade, racionalidade, eficiência e transparência intrínseco às agências governamentais derivam da universalidade de conceitos exaustivamente postos em prática.

Num país onde a eficácia de sua máquina administrativa tornou-se paradigmática, mesmo contendo vícios aqui e ali, a presença de inúmeras agências governamentais na administração pública americana decorre da insuspeita concepção. Podem não ser elas apanágio único, mas é parte indispensável de uma administração moderna, antípoda da sonolência pública, quando o Estado tem feições paquidérmicas. Foi em direção à modernização da máquina pública do país que agências como a ANP, Aneel e tantas outras foram criadas em substituição a ministérios soterrados em burocracia e de onerosos custos. A Agência Brasileira de Informação, sucedânea do SNI, foi a última inspiração no Brasil. Intencional ou não, é cópia aproximada da National Security Agency (Agência de Segurança Nacional). Roga-se para em termos de eficiência e finalidade assemelhem-se bem mais. É o caso de conformar-se ao adágio de inspiração imperialista: O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Ainda pela ordem, a parte mais visível do projeto que chegou após meses de expectativa à Assembléia Legislativa em nada contribuiu para desfazer tensões e oferecer clarividências. Sua face mais notada é a proposta de extinção de inúmeras agências reguladoras, aquelas sugeridas pela FGV e que constituem a espinha dorsal da anterior reengenharia administrativa. Focada no encurtamento do organograma, a proposta não oferece visibilidade à trajetória futura dos operadores das agências.

Nem os que fazem a leitura objetiva dos termos propostos, podendo endossar, alterar, discordar e verbalizar o ponto de vista na condição de deputados – prós ou adversários do governo – têm a dimensão exata das conseqüências políticas subjacentes, pela ausência de tópicos esclarecedores. A preliminar indispensável à compreensão dos objetivos do governo já está fixada para a opinião pública em face do descompasso entre receita e despesas.

O que ainda permanece nebulosa é a posição da espada de Dâmocles, já que o sincretismo dos governos de ontem e de hoje não permite prever quais critérios poderão ser utilizados na distinção, dentre o funcionalismo público, de quem é e quem não é passível de ser atingido - ou seria defenestrado?

Antes, há o pressuposto de que personagens tão presos a compromissos politicamente compartilhados terão dificuldades de montar projetos paralelos só porque é vital construir estilos administrativos distintos. Divergências circunstanciais e históricos recentes, escritos em conjunto, tornam o contexto menos claro, elevando o volume das dúvidas na maior bancada da Casa, núcleo básico da tropa aliada.

À falta de elementos mais elucidativos em vista da complexidade da mensagem e das entrelinhas por onde infiltram incertezas e desconfianças até na bancada oficial, as declarações do presidente da Assembléia, ainda que ponderadas, foram provedoras de atmosfera um tanto opaca, consubstanciando questionamentos, fomentando indagações num efeito dominó. Esclarecê-las é fundamental, sem que se consigam contornar as imbricações políticas.

Até que tudo ganhe o halo da transparência estendida a todos os pontos, parêntesis, vírgulas e interrogações, o contexto meio nebuloso permanece, enquanto o texto da mensagem pouco esclarece. O que explica a inversão de papéis e os riscos do desfecho. Na Assembléia, a bancada que deveria se opor à proposta está aplaudindo tudo por antecipação, confundindo o plenário. A bancada de apoio ao governo está politicamente dividida e aritmeticamente perdida num curioso enigma: nem 100% a favor, nem 100% contra.

Por fim, esgotada a questão de ordem, um adendo: o problema terá de voltar a seu ponto de origem. A participação da FGV já é fato passado. O compromisso do secretário Jorcelino Braga é com o presente.

sábado, 10 de maio de 2008

O céu é o limite, não para Lula

Ontem era: “Sem medo de ser feliz”. Amanhã poderá ser: “Sem medo de subir aos céus”. Se continuar contabilizando pontos nas pesquisas, incrementando a bolsa-assistencialista e apostando no virtual PAC, inexplicavelmente mostrado em palanque, Lula será forçado pelo povo a um terceiro mandato. Mesmo contrário à ostensiva manipulação da massa ignara, ofereço, modestamente, minha contribuição ao PT. O slogan futurista para a próxima campanha presidencial de Lula está patenteado: “Desta vez é Deus na terra e Lula no céu”.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Paulos, uni-vos em defesa de vossas honras

Senhores Paulos, Paulinhos e Paulões, uni-vos. Há um deputado federal tentando enxovalhar vossos nomes. O magno representante da Força Sindical sabe que seu codinome despontou conectado a um escândalo na liberação de verbas do BNDES. Os indícios, de tão veementes, estão gritando em todas as trilhas da investigação da Polícia Federal. Entrevistado, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) jurou que, por existirem no País milhares de Paulinhos, ele tem o privilégio, pela imunidade parlamentar e pela cara de pau, de levantar suspeita sobre todos os Paulos do Brasil. Quer escapar do julgamento, usando a desfaçatez como escudo. À luz do Direito, todos os Paulos adquirem a prerrogativa de processar o deputado Paulinho, pois é o único que está sendo citado pelos investigadores. É muita desonra ter um xará com tanta carga de suspeita impregnada a seu nome, tentando provar – através de entrevistas - que todos os Paulos são iguais. Ah, se eu me chamasse Paulo! Iria, sim, à Justiça, exigir indenização.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

A IMPOSIÇÃO DOS FATOS

Praticamente já esgotei o tema - cerco a Marconi – mas é a sucessão de fatos coincidentes que nos força a especular em torno dele. Importa aqui registrar que a possibilidade da candidatura Henrique Meirelles, ao amparo do Partido Popular e sob o ostensivo estímulo de seus quadros, só vem confirmar a minha tese de que um movimento em pinça estaria em andamento. Tem numa das hastes a candidatura natural do prefeito Íris Rezende, com o reforço do PT que, pelo menos aqui em Goiás, vai adquirindo a fisionomia de agremiação de – não diria de aluguel – mas de locador eventual. Por duas vezes ficou de plantão à espera de melhor oportunidade. Por duas vezes adotou o recuo da candidatura própria para o oportunismo da carona no PMDB.

Foi assim quando Maguito disputou o governo em 2006 e ignorou a oferta de Valdi Camárcio como companheiro. É assim agora com o candidato Íris. Oportunismo sim, porque não houvesse a expectativa de vitória do PMDB, com certeza não haveria aliança tão surpreendente quanto esdrúxula. Houvesse no PT a segurança de chegar ao poder por seus próprios méritos, não haveria força humana ou popular capaz de obrigá-lo à parceria em rota inversa.

Sobre a candidatura Meirelles, uma vez confirmada, estará estabelecida a outra haste da pinça que objetiva, antes de tudo, estreitar o campo de manobra do senador Marconi para obstruir sua tentativa de volta ao governo. O esboço dessa nova candidatura, na periferia do poder por vir a ser ela condicionada ao suporte do PP – partido do governador – já pressupõe a ruptura entre criatura e criador, isto é, Marconi e o herdeiro natural do espólio político, com seus ônus e bônus, acumulado em três sucessivas administrações. Não mais se justificará tratar a questão com a dose subliminar de argumentos distorcidos da realizada à frente. Meirelles no centro da disputa do governo é a clara opção pela via da beligerância de um dos protagonistas que, vistos em parceria e em retrospecto são os arquitetos do tempo novo. Surpreendentemente, poderão ser convertidos a contendores por fatores, ora alheios à vontade própria, ora decorrentes de pressões e ambições grupais. Umas legítimas, outras nem tanto. Mais à frente se poderá delinear com que perfil ou armadura eles se porão frente a frente, tendo à retaguarda seus contingentes de apoio.

No momento, o que avulta como delineador dos movimentos políticos é a convergência dos interesses imediatos se sobrepondo a um roteiro político traçado a quatro mãos, ora submetido a interferências que levam, inevitavelmente, à sua fonte de inspiração: o Palácio do Planalto.Já não estou sozinho na constatação de que o presidente Lula extrapola o campo das disputas políticas, do choque de idéias e concepções administrativas, para investir pusilanimemente por razões pessoais sobre o senador.

Dado o alarme, tenho a companhia de jornalistas que se esforçam para retratar os fatos como eles são e porque são, a despeito das limitações a que estamos sujeitos. Que o presidente Lula não consiga discernir a oposição ao seu governo e os prejuízos causados à sua imagem por companheiros flagrados em desvios de condutas já é fato notório. Aos companheiros e possíveis aliados o beneplácido da anistia, a presunção da inocência, mesmo que a polícia ou a Justiça estejam ao encalço dos meliantes, digo, suspeitos. É Lula, o onipotente, a conferir divindade a quem de santo nada tem nem nunca terá. Também é notório que ele quer se vingar do senador pelas mãos de terceiros. Apesar dos pesares, convém buscar a elucidação dos fatos pela curiosidade que aguça muita gente. Particularmente, esse jornalista renitente só queria entender. Se fosse o caso, posteriormente tentaria explicar para meus eventuais leitores. Se os convenceria ou não, desconheço. Se são muitos ou poucos, também desconheço. Só sei que pela repercussão, minhas argumentações não têm sido em vão. Amém.

A SEMANA PROMETE; A OUTRA TAMBÉM

Vence o prazo para que o projeto da reforma administrativa chegue à Assembléia. Sua abrangência, impacto, repercussão política e conseqüências imediatas oferecerão bons indícios de como se poderá fazer a leitura da nova cartilha política made in Alcides Rodrigues-Jorcelino Braga. A reforma começa e termina bastante politizada pela expectativa gerada, pela apreensão de potenciais vítimas dos deslocamentos de funções em série e pelo perfil dos que serão ou não alcançados pelo braço impiedoso de seu principal mentor.

Vai-se, finalmente, cutucar muitas onças com vara curta. Para cada contemplado com as indicações, há um padrinho roendo as unhas e se indagando: “por que eu”?Aquele que teria dado o exemplo de sua disposição de enxugar a máquina, cortando na própria carne está à vontade. Tem o apoio (quase incondicional) do governador e a epidérmica vocação para enfeixar poderes. Teria, assim, na formulação das premissas intervencionistas em todos os órgãos do governo, se credenciado a montar a lista de trivialidades, platitudes e peduricalhos outros identificados com a senha de tempo novo, mas condenados pelo vencimento do prazo de validade.

Uma outra senha a tudo substituirá como pressuposto de que nova e dinâmica mentalidade se instalou ali, razão por que fora ali o local escolhido para a estréia do processo de remoção do entulho e aterramento do passado. Será a abrangência da reforma com o fervor reformista de seu idealizador o balizamento a sugerir que uma nova era se inaugura, virando-se a página na expectativa de que nos próximos dois anos se escreverá uma nova história? E será ela a determinante na inclinação do eleitorado para ver se tudo dera certo conforme tem sido o prognóstico de quem veio para avançar sem olhar para trás?

Na seqüência dos bons indícios de como se poderá mirar adiante, aguardemos a primeira ofensiva publicitária nascida de uma nova concepção já previamente anunciada pelo secretário extraordinário – e põe extraordinário nisso – Túlio Isac. Registra-se que, novamente, a fonte inspiradora dessa revolução na interação governo-mídia-sociedade está lá, sem nenhuma ironia, na Secretaria da Fazenda. O polivalente secretário entende sim, e bem, do riscado. Conheci-o na agência onde se produziu o que de melhor se poderia para que o candidato à sucessão ganhasse densidade eleitoral.

Pelas mensagens que chegarão, provavelmente nos próximos dias, se desvendará ainda mais o projeto futuro do governo pelo que já fez e pelo pretende fazer. E não venha a oposição colocar tudo na conta do ano eleitoral. O governo precisa e deve, de fato e por dever, dizer o que está fazendo, o que pretende fazer por quais razões. Recentemente os jornais diários noticiaram o retorno dos programas sociais e, para alguns, houve até elevação dos investimentos e ampliação da população beneficiária. Com certeza, são avanços que desfazem qualquer suspeita de que o traço de continuidade não esteja presente como elemento identificador de que uma transição pacífica se operou para o bem de todos.

Para tudo ficar mais azul

Se o prefeito Íris Rezende quiser alargar a faixa de seus adeptos, já pode fazer uso de uma medida sui generis por aqui. Que fique claro que não advogo em causa própria. Um prefeito no interior do Chile resolveu bancar a distribuição do miraculoso viagra. Temendo que os da terceira idade fossem usar a pílula para saliências extraconjugais, as parceiras oficiais criticaram a medida. Depois da garantia do prefeito de que a doação do viagra se condicionava a um comportamento retilíneo, ou seja, nada de desvios matrimonias dos parceiros, o alcaide viu seu contingente de admiradores duplicado. As desconfiadas mulheres não só aplaudiram o prefeito como juraram que vão se empenhar para a sua reeleição, contanto que a fidelidade dos maridos se estenda às urnas.

domingo, 4 de maio de 2008

PUSILANIMIDADE PUNIDA

Bem que esse blog avisou. Ciro Gomes não está livre de pagar a indenização à família santillo por sua incontinência verbal. Ciro perdeu o último recurso (matéria no DM) e tenta agora reduzir o valor da indenização. Na parte que me toca, pela minha afinidade e convivência com Henrique Santillo, não acho que deva haver aquiescência.

Ciro é boçal e deve pagar pelo crime de tentar – em parte conseguiu, pois sua leviana declaração ecoou nacionalmente – enxovalhar a história de um homem sabidamente honrado, historicamente exemplar. Já disse e repito: Santillo flagrado em ato desabonador de sua vida pública é uma dessas possibilidades que pertencem à natureza das coisas impossíveis. Tenho dito e tenho escrito.

BAIANO BURRO NASCE MORTO

No mundo dos espíritas já se comprovou que o grande baiano Rui Barbosa indignou-se com a declaração daquele coordenador do curso de medicina da Universidade Federal da Bahia. Depois do “Águia de Haia” os baianos cantaram para o mundo o refrão de que “baiano burro nasce morto”. Segundo o professor, na faculdade de medicina existem muitos alunos que desmentem a biológica inteligência por só conseguirem tocar berimbau porque o instrumento tem apenas uma corda.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

ADIVINHA QUEM VEM PARA NOS INDIGNAR

Li, reli mas não acredito. O ex-deputado Roberto Jefferson vem dar palestra na OAB sobre CPI? Olha, quero continuar vendo a entidade aureolada desde a gestão do jurista, escritor e intelectual Raymundo Faoro, que chegava o dedo em riste na cara da ditadura, advogando a Democracia. Prefaciava o discurso com valores como ética, transparência, moral ilibada, honradez e outras virtudes que engrandecem uma sociedade, projetando boa imagem da nação. OAB, ABI e CNBB edificaram o tripé de resistência onde a sociedade civil aglutinou forças, depois avançou e triunfou sobre o obscurantismo.

Pensando bem, já me penitencio de ter criticado quem trouxe aqui o Kleber Bambam (BBB) para uma palestra. A iniciativa teria cometido o pecado venial, pelas limitações culturais do moço, mas agora o pecado pode ser de natureza moral. Ou não existe um nome, diferenciado pela biografia, para vir aqui passar experiência e conhecimentos sobre CPI, tendo atrás de si a reputação que possa reafirmar a boa imagem da OAB e então livrá-la de questionamentos de natureza ética? O personagem está muito mais apto a responder CPI, não dissecar seu funcionamento, pois lhe faltaria o espírito de isenção pela proximidade com fatos passíveis de investigação. Tamanho contra-senso leva à perplexidade.

Ou talvez seja esse escriba um obtuso, metido a moralista, por censurar um cidadão que denunciou aquela história de “recursos não contabilizados” só porque a sua cota mensal não fora reajustada conforme o combinado? Se Jefferson ainda não foi condenado pela Justiça, já está estigmatizado pela esmagadora maioria da população por não ter dado bom exemplo na vida pública. Não estou inventando nada. Foi a nação, perplexa, que assistiu a tudo.

Escrevendo pelas orelhas

Paz e Terra, 607 págs.Paz e Terra, 320 págs.

Caipirice e ultranacionalismo, quando transpostos para a interpretação da História de um determinado país, são taxativos ao afirmar que cidadão que se preza não pode comprar a versão propalada por um estrangeiro. Felizmente, essa idéia pouco prosperou entre os historiadores e leitores brasileiros, que na maioria dos casos souberam emprestar o devido valor a brasilianistas de peso, como o norte-americano Thomas Skidmore e o inglês Kenneth Maxwell. Os dois são autores de alguns dos livros que, quanto ao tema de que tratam, constam entre as mais lembradas e comentadas referências. Ainda hoje, o norte-americano é nome certo quando se busca observadores da história política brasileira. Já sobre inglês, basta dizer que sua coluna às quintas-feiras na Folha de S. Paulo é suficiente para credencia-lo como voz presente nas discussões da atualidade junto aos brasileiros.

Brasil: De Castelo a Tancredo continua na picada já aberta pelo seu antecessor Brasil: Getúlio a Castelo, lançado em 1975 por Skimore. É certo que os cinco volumes minuciosos escritos por Elio Gaspari eclipsaram boa parte do que já se escreveu sobre a ditadura militar, sem deixar muitas dúvidas sobre qual a melhor obra para se debruçar sobre o período. O texto de Thomas Skidmore, no entanto, faz duas décadas de aniversário sem perder o vigor analítico e narrativo dos fatos encadeados na sucessão política de meados da década de 1960 até o advento da Nova República. A descrição dos eventos pelo autor é intercalada com análises sóbrias e comedidas, isto é, sem perder de vista a situação ou episódio comentado, o que livra o historiador da pretensão de elaborar grandes juízos sobre as desventuras políticas, econômicas e sociais destes trigueiros tupiniquins.

Em se tratando de Kenneth Maxwell, seu A Devassa da Devassa – A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal (1750-1808), mesmo transcorridos trinta e cinco anos de seu lançamento ao público inglês, permanece para muitos como a mais relevante obra a respeito dos insurgentes de Vila Rica. Até por se tratar de um período histórico mais longínquo e menos clareado, o proscênio da recomposição da Inconfidência Mineira é ocupado pela vasta pesquisa documental empreendida. Evidência sacramentada, aliás, na alusão feita no título, uma retomada a partir dos célebres e oficialescos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. Apesar da condição de academicamente pioneiro que o livro teve ao dessacralizar o movimento dos mineiros, mostrando que as intenções de seus mentores eram mais financistas do que ideológicas, dadas as dívidas que tinham com a coroa, Maxwell não se detém na construção do mito do herói Tiradentes, iniciada pelos republicanos de 1889.

Ao final das leituras, sai-se com uma boa compreensão do seqüenciamento dos fatos relevantes nestes dois momentos cruciais do Brasil. Já que os livros não são nenhuma novidade para o público brasileiro minimamente conhecedor do assunto, não faz mal entoar um roto clichê: o olhar estrangeiro sobre nossa realidade, de posse do imprescindível distanciamento, tem às vezes o condão de lançar luzes sobre pontos que a miopia local dificilmente permite enxergar.




L&PM, 226 págs.

Morto há um ano, Kurt Vonnegut, embora desconhecido do grande público, tem fiéis e aguerridos admiradores na intelectualidade. Matadouro 5, um dos seus mais famosos livros, pode ser encarado como uma expiação dos traumas que este soldado presenciou na Segunda Guerra Mundial, sobretudo o estrepitoso bombardeio de Dresden, do qual só escapou graças ao matadouro abandonado que lhe serviu de refúgio e lhe garantiu um bom título. Não se vê nesta narrativa tortuosa do seu alter ego Billy Pilgrim toda a genialidade que lhe é apregoada, mas a prosa aparentemente despretensiosa de Vonnegut esconde muito do leitor incauto. Lançado na campanha antiguerra do Vietnã, em 1969, Matadouro 5 notabilizou, estilisticamente, o bordão lacônico com que o autor finaliza a narrativa de episódios irrelevantes ou bombásticos: “Coisas da vida”.