quinta-feira, 19 de junho de 2008

Escrevendo pelas orelhas

Brasiliense/ 191 pgs.



Sob os auspícios metodológicos de um suntuoso palavrão, a prosopografia, o historiador inglês Peter Burke pretende reconstituir um momento único e dos mais definidores para a ascensão do ocidente. Prosopgraphy, no original, é a linhagem metodológica acalentada por historiadores ingleses que consiste no empreendimento historiográfico de recomposição de características de um grupo específico de atores, com vistas a recriar com detalhes um determinado período histórico. Compõe-se um universo a ser estudado com base no cruzamento de trajetórias e hábitos de um grupo de indivíduos e seus familiares, mantendo uma comparação minuciosa entre etapas corriqueiras, mas profundamente reveladoras das sociedades analisadas, tais como o casamento, a morte, as ocupações etc. Nas mãos de um hábil historiador o método pode se tornar uma fonte prodigiosa de informação e análise. Entretanto, não se trata de uma combinação matemática de dados históricos o que se encontra em Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. A ênfase nas muitas minúcias de determinados indivíduos, sempre penosa para o pesquisador e não raramente enfadonha para o leitor, decepciona quem vai em busca do escrutínio apenas de aspectos macro-históricos.

Templos devotados ao comércio no que poderia ser chamado de a pré-história da globalização, Veneza e Amsterdã vêem nos movimentos incessantes de seus portos o deflagrar de uma elite pioneiramente cosmopolita nos hábitos de vida e transformadora da noção de comércio. Burke explora à exaustão a transformação dos Entrerpreneurs em Rentier, na origem quase comum do capitalismo produtivo e financeiro. O livro, que mesmo esgotado no Brasil comemora a maioridade da publicação original, não chega a mostrar toda a desenvoltura do historiador Burke em sua seara, a Europa da Idade Moderna. Trata-se mais de um trabalho de terraplanagem para outros historiadores menos dispostos do que estava este colunista titular do caderno Mais! a mergulhar nos manuscritos e recompor uma teia de relações seiscentista. Sem grande esforço o leitor consegue divisar por entre os tipos reais analisados os traços menos caricaturais do agiota Shylock e do proprietário de frota marítima Antônio, ambos personagens do clássico shakespeariano O Mercador de Veneza.





Unijuí/ 180 pgs.


Lebenswelt é um termo corrente em certos nichos acadêmicos das ciências humanas, sobretudo na sociologia e na filosofia. É mais um ponto teórico a orbitar ao redor dos conceitos tonificados pelo grupo de pensadores alemães reunidos sob o selo da Escola de Frankfurt, na primeira metade do século XX. Genericamente, o conceito traduzido como mundo da vida designa um “horizonte comum, no qual se desenvolve o protagonismo do sujeito, de sua interação intersubjetiva num mundo social, sem esquecer nem recusar a subjetividade de cada sujeito, muito menos a objetividade do mundo da vida.” (p. 20). Para o leitor ainda completamente perdido com esta definição, o texto de Jovino Pizzi, O mundo da vida – Husserl e Habermas, talvez permaneça não esclarecendo tudo.

O livro não esgarça a idéia a ponto de iniciar os leigos, mas para os já brevemente familiarizados neste quesito filosófico há um levantamento de valor sobre os rastros do tema na filosofia fenomenológica de Edmund Husserl. Detendo-se sobre a fenomenologia, Pizzi empresta pouca atenção à obra de Jürgen Habermas, que ao acomodar a idéia de mundo da vida como parte crucial da já decantada Teoria da Ação Comunicativa, foi quem de fato resgatou o que Husserl anteriormente havia encetado. O livro, da inexpressiva editora Unijuí, é conversa que pode exigir algumas xícaras a mais de embasamento dos freqüentadores de cafés filosóficos, mas não morde quem não tem medo de encarar algumas horas de leitura.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A ELEIÇÃO DO SIM E DO NÃO

Não quero ser o “desmancha-prazer” das oposições, mas essa eleição municipal de Goiânia está trazendo à lembrança o tempo da ditadura do general Alfredo Stroessner, que reinou por 35 anos, sete mandatos e inúmeros absurdos, no Paraguai, entre 1954 e 1989. Ditador assumido a ponto de oferecer abrigo até para nazistas caçados por Israel, Stroessner credenciou-se a máster em fraude eleitoral.

Deve-se ao bizantino ditador a invenção da cédula eleitoral emblemática de sua tacanha visão: trazia impressa duas únicas opções para o eleitor paraguaio votar: Sim ou Não. "Sim" significava a opção pela permanência de Stroessner no Poder. "Não" significava a opção para o ditador não deixar o Poder.

Da forma como as oposições estão facilitando as coisas, é provável que o eleitorado se dividirá entre os que dirão sim ao segundo mandato de Íris e os que dirão não, recusando sua ida para casa. Tudo democraticamente.

Blogueiros, unamo-nos, só temos a ganhar

Pronto. Proliferam na imprensa diversas matérias focalizando o universo dos blogueiros. Eles estão tomando conta, virando de cabeça para baixo o universo midiático. Jornalista, comunicadores, professores, historiadores, pesquisadores, e uma infinidade mais de profissionais já não conseguem começar o dia sem “molhar o pão” nas páginas da internet. Novos tempos, novas maneiras de conectar o mundo na rede da informática, ignorando distância, tempo e espaço. Blogueiros, unamo-nos, nada temos a perder senão a auto-censura.

A volta do embornal

Se queremos dar nossa contribuição à preservação do meio ambiente, muitas são as formas individuais de se praticar, no dia-a-dia, a boa ação que, um dia, a Terra haverá de reconhecer. As padarias poderão dar o exemplo, oferecendo a seus fregueses o embornal como brinde. Além de pôr fim ao desfile de sacolas de plástico, estarão conquistando a fidelidade dos fregueses. É muito simples: confeccione o embornal com a propaganda da padaria, confeitaria, café, sei mais lá o quê, e ofereça-o de brinde, fazendo com que o “vasilhame” passe a ser um hábito para quem vai todo dia em busca do sagrado pão. Ops: a idéia já está patenteada pelo degas aqui. Para você que não sabe o que é embornal, consulte alguém da sua família, aquele que um dia o conheceu. E dele se valeu.

No stress

Não fui, não sou e não serei o único a insistir na idéia, mas já ganhei um adepto de peso. O comunicador Lincon Paiva, no precioso espaço da Folha de S. Paulo (Debates/Tendências) está defendendo a carona, adotada em diversos países. “Carpool” ou “Rideshare” são os dois nomes da carona já consagrada em diversos países. Insisto: como está o trânsito em Goiânia e como ele irá ficar ainda mais complicado, chegou a hora do transporte compartilhado. Vizinhos, uni-vos, do contrário as crianças perderão os horário das aulas e os irmãos, país, perderão o emprego por não chegarem na hora certa, e todos nós perderemos o equilíbrio psicológico, sucumbidos perante o estresse. Paremos para pensar. É o título da minha matéria sobre o assunto, já divulgado aqui. Leia.

domingo, 8 de junho de 2008

O TRIUNFO DAS PRESSÕES

A fase enigmática do governador, pouco afeito a declarações políticas, parece estar superada com suas últimas declarações. Deu impulso ao entusiasmo do candidato Sandes Júnior – não houvesse entusiasmo ele não estaria disposto a disputar a prefeitura pela terceira vez -, fazendo loa às suas qualidades de político mais capacitado, no conjunto dos nomes à disposição, para enfrentar o prefeito Íris Rezende.

Em seguida, Alcides voltaria ao centro das atenções por admitir-se propenso a buscar novas alianças para o futuro. Essa postura responderia ao entendimento de que é preciso haver reciprocidade em vista da atenção especial que o presidente Lula estaria dando a Goiás, atenuando, assim, as dificuldades de sua administração.

Fosse somente por dever de reciprocidade, as declarações comportam leitura em duas direções. Alcides é grato a Lula pelo que vem fazendo o presidente em termos de investimentos no Estado, através do PAC, além de outras demonstrações de apoio. A dívida política então passa a existir no pressuposto de que lealdade se paga com lealdade. A premissa tanto se encaixa no presente, quanto se conecta com o passado.

Pode-se ler o sentido da gratidão de duas formas. Há uma dívida política também acumulada com a aliança política que o projetou para o governo. O importante é que o tempo vai ajudando a facilitar a compreensão do jogo político pelo contexto em que as declarações são feitas. Calado, Alcides parecia um enigma. Falando, vai desfazendo os mistérios.

As declarações e manifestações de reconhecimento ao apoio do governo Lula não são mais segredos. Ocorre que sua repetição, cada vez mais enfática, vai sugerindo que o PP, de fato, se propõe a caminhar com novas parcerias para o futuro, isto é, arquiva seu passado de aliado do PSDB para tentar a aventura de juntar-se ao PT e, provavelmente, ao PMDB. Estaria assim coroada de êxito a proposta do presidente Lula de tudo fazer, ostensiva ou subliminarmente, para desconstruir o senador Marconi Perillo, uma liderança ainda forte o suficiente para chegar em 2010 em condições de polarizar as disputas eleitorais.

Pode-se traduzir as últimas declarações do governador como quem dinamita as pontes que, num futuro, levariam ao reencontro de seu histórico parceiro, o PSDB ou estaria traçado, com óbvia nitidez, a disposição do grupo alcidista de caminhar por outras rotas políticas?

Não é que as fases pré-eleitorais são pródigas em nuanças frente as quais se podem extrair as mais variadas conjecturas. É que, se prestarmos bastante atenção, percebe-se a convicção com que o governador discorre sobre determinados tópicos políticos.

Quando é para reconhecer o espírito público do presidente Lula que não discrimina seu governo, há uma ênfase clara a um apoio político-administrativo circunstancial. Ora, o presidente da República tem deveres para com todos os Estados. Ocorre que, o interesse político vem se sobrepondo ao dever institucional. Pelas dificuldades do Estado, compreende-se a gratidão do governador.

O que está bem transparente é a pressa do governo Lula de estabelecer uma base política em Goiás, unindo prefeito e governador em torno de um projeto bem mais amplo, com vistas a 2010. O cruzamento da sede de recursos do Estado e a fome de poder e de vingança do presidente Lula explicam esse relacionamento pautado num fluxo de amabilidades sem limites.

Quando posto sobre a curiosidade do repórter que quis saber se PP e PSDB pensam de modo convergente quanto à disputa da prefeitura, o tom da resposta foi menos enfático e quase dúbio: “Acho que sim, tirando um ou outro contratempo”.

Via de regra, as declarações políticas revelam mais pelo que é dito de modo pouco explícito. Assim, vale deduzir que o relacionamento entre o governador e o senador Marconi Perillo vive uma fase, digamos, de esfriamento e distanciamento. À parte as atribulações de cada um, valeria a velha receita de convivência política entre partes que foram, um dia, confundidas pelo sincretismo de suas façanhas, caso outros fatores não se impusessem. O tentáculo do governo federal torna-se irresistível pelo que oferece no presente e pelo que promete no futuro. O que parecia sólida aliança vai-se desfazendo ao peso das pressões e das tentações.

Quem está no comando de um processo de afunilamento político pré-eleitoral é o governador. Só a ele cabe a iniciativa das deferências para que o distanciamento converta-se em reaproximação, se for o mais conveniente. Só ao senador cabe o dever da colaboração no papel de defensor dos interesses do Estado no Senado da República. Até aí, nada demais. Não haveria desgaste político para as partes, contanto que a liturgia dos cargos fosse observada. Um comanda um processo político pelo peso da chefia do Executivo estadual. O outro se obriga a colaborar pela importância da representatividade no Legislativo federal.

E então? A quem cabe desarmar os espíritos, diluir as tensões, exorcizar o ambiente? Fora do foco que diz respeito ao papel de cada um, há um fértil campo para as mais estapafúrdias ilações com um custo político que só se poderá aferir no futuro. Ainda assim vale a regra elementar: Ao comandante, seu atributo é comandar. Tudo mais será conseqüência a curto, médio e longo prazos.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

MARGEM PARA ESPECULAÇÕES

A ausência do senador Marconi Perillo na inauguração de usina em Montividiu, na quinta-feira, dá margem para muita especulação, já que ele o governador Alcides Rodrigues iriam se encontrar, após longo tempo afastados.

O governador também deu sua contribuição para novas especulações ao admitir alianças fora de cogitação, até então. Quem venham as especulações.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Escrevendo pelas orelhas

Max Weber e a Política Alemã
Editora UnB, 113 pgs.


Para um erudito pensador, ter sua obra política fazendo sombra aos seus trabalhos intelectuais pode ser um indicador de mediocridade. Desse mal, entretanto, não padeceu o legado de Max Weber. O pensador alemão debateu-se com fervor diante de momentos ebulitivos do quadro político de seu país, e é justamente o resultado dessas movimentações biograficamente pouco conhecidas que Jacob Peter Mayer quis trazer a lume em Max Weber e a Política Alemã. A despeito das preocupações próprias de sua precoce maturidade intelectual, parte delas plasmadas no seu famoso texto Ciência e política: duas vocações, Weber jamais pôde ser indiferente ao ambiente em que fora criado, se inteirando desde cedo das conversas mantidas em sua casa pelos correligionários de seu pai, um proeminente político liberal.

O texto de Mayer, originalmente publicado em 1956, demonstra que o pensamento de viés mais político de Weber adquiriu a repercussão que este autor quis lhe dar, recuando estrategicamente quando se tratava de assegurar sua posição de homem de cátedra, embora em momentos de tensão política ele não tenha menosprezado as indicações partidárias que lhe eram propostas. É certo, no entanto, que a carreira do autor que soube definir como categoria sociológica o líder carismático não teria ido longe, a julgar pela sua ojeriza tanto à demagogia de palanque quanto ao frenesi do era bismarckiana. Pragmaticamente, o autor que seria consagrado com a publicação de A ética protestante e o espírito do capitalismo, após fazer parte de uma comissão de notáveis, logra incluir três pontos que julgava fundamentais na redação da Constituição de Weimar. Weber propõe unidade máxima à Carta Constitucional, cônscio da necessidade de um sólido amálgama institucional à Alemanha recentemente unificada. São dele ainda duas propostas inovadoras à época: a garantia aos parlamentares do instrumento das comissões de inquérito, e ainda a vigência do voto popular como único meio legítimo de escolha do líder do Reich.

Vê-se também no livro bem composto de Mayer o temor do sociólogo com o expansionismo russo e suas possíveis repercussões na Alemanha. Para termos ciência da validade desta visão ainda na aurora do século XX, basta nos lembrarmos de episódios como a aniversariante Primavera de Praga ou a guinada autoritária do projeto de Putin. Tudo isso compõe um perfil político de um intelectual singular e que mereceu do sociólogo francês Raymond Aron o feliz – mas incompleto- apelido de o “Maquiavel de Heidelberg”.





L&PM Pocket/ 205 pgs.


Pouco pode merecer de respaldo uma coluna que recomenda a óbvia leitura de clássicos atávicos da literatura nacional. Para isso existiram as aulas de literatura durante os anos de escola. Mas aos alunos relapsos o Escrevendo pelas orelhas dá uma nova oportunidade de se debruçarem sobre Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida. Escrito em 1851, o livro inaugura um panteão heróico de grandes anti-heróis da ficção brasileira, bem antes de Policarpo Quaresma ou Macunaíma. Leonardo, o memorando em questão, só tem seu nome revelado aos leitores na metade do livro, sendo antes tratado pelo narrador como “menino” ou “pequeno”, vocativos que propositalmente diminuem as qualidades do biografado. Romance de transição, Memórias é tido como pertencente ao Romantismo, mas é inquestionavelmente repleto de traços do Realismo. As descrições das travessuras do infante Leonardo são próximas de como o defunto personagem Brás Cubas relata sua infância. Manuel Antônio de Almeida, aliás, foi quem cedeu um emprego na Tipografia Nacional a um jovem mulato de nome Machado de Assis.

terça-feira, 3 de junho de 2008

SUA EXCELÊNCIA, O FATO

Quem sabe a hora certa do veredicto é quem manda. Quem manda é ele. Quem tem autonomia de vôo e tem responsabilidade ímpar no processo é ele. Ocorre que, sua excelência, o fato, está conclamando a imediata intervenção. O quase consenso em torno da hipotética candidatura de Demóstenes Torres à Prefeitura vai se impondo. O governador Alcides Rodrigues está vendo o tempo se esvair.

Bater o martelo por um corifeu do DEM é o mesmo que dizer ao presidente Lula que dispensa seu apoio, financeiro principalmente. Definir-se pela candidatura do PP é pedir aos militantes do PSDB para cruzarem os braços, facilitando o trabalho de Íris na campanha.

Optar por Barbosa Neto é se atirar no escuro. Barbosa tem perspectiva política a médio e longo prazos, por isso faz do pragmatismo sua mais notória marca de militante independente. Não é preciso lembrar que eleição municipal é prenúncio de bons trampolins para as acomodações das disputas de 2010.

Ter em mãos o segundo maior orçamento do Estado é garantia de extraordinário cacife para o jogo das composições em eleições majoritárias. E elas estão chegando. Traduzindo: o governador tem um descomunal abacaxi nas mãos. Não vai poder segurá-lo por muito tempo. Até pelo seu excepcional peso.

domingo, 1 de junho de 2008

A FACE AUTOFÁGICA DO PMDB

Um ex-não-pouca-coisa da política, que teve influência e presença ostensivas na campanha majoritária do PMDB, em 2006, dá seu testemunho do quanto o partido preserva uma característica prejudicial ao seu próprio desempenho eleitoral. Sempre que se vê com boas chances de conquistar o poder, passa a ter dois problemas pela frente. Primeiro: estruturar uma campanha capaz de resistir aos incômodos ataques dos adversários. Segundo: contornar as disputas internas pelos hipotéticos cargos públicos que vêm no pacote da vitória eleitoral. A soma dos dois arraigados hábitos produz a ineficiência política em dose dupla.

A mais recente experiência, a de 2006, foi, segundo um dos mentores da estratégia de campanha, pródiga em episódios típicos de um processo autofágico só possível quando o partido supõe estar a um passo de uma importante vitória eleitoral, menosprezando condicionantes de uma disputa.

Todos os números, todas as análises e toda a expectativa apontavam na direção do candidato a governador Maguito Vilela como nome a ser sagrado nas urnas. A diferença a seu favor, em relação ao ainda desconhecido Alcides Rodrigues, cegava os cardeais peemedebistas, turvando-lhes a visão para uma realidade projetada mais adiante.

Não é preciso descer aos detalhes para historiar fatos que alteraram bruscamente o panorama das disputas. Voltemos, portanto, ao título desse comentário. Cercado de muitos caciques, aqueles ávidos por ensinar como se desenvolve uma campanha política exitosa, Maguito fazia sua parte sem trair a confiança em si mesmo, elevando seu coeficiente de otimismo na medida em que os números e as adesões indicavam o caminho seguro da vitória.

A auto-confiança envolvendo a cúpula da campanha se projetaria com mais nitidez na determinação do candidato de ser ele o mediador principal dos entendimentos e das composições políticas. Foi com surpresa que o avanço da campanha fez estacionar o candidato peemedebista e produzir o fenômeno do crescimento gradual do opositor Alcides Rodrigues. Foi ali que o bastidor da campanha peemedebista se abasteceu de inúmeros episódios em que o excesso de confiança levou a primaríssimos erros. Sucessivos desencontros produziriam o ambiente propício à conclusão: a auto-suficiência do general causaria a perplexidade geral.

Um deles deveu-se ao temperamento tipo “deixa que eu resolvo” exibido pelo candidato que resistiria às muitas sugestões de dialogar com segmentos sociais com o discurso que mais seduz os potenciais adesistas. No caso de Maguito, sua posição no topo da lista de virtual governador tornava muitos setores adesistas em potencial, desde que o convite fosse feito com o aceno de expectativa de participação no poder.

Paralelo à resistência de Maguito de encampar o discurso mais comum do mercado político – o da promessa de que a adesão pressupõe participação nos cargos do governo – uma dramática disputa de poder se processava entre o agrupamento que conduzia a campanha, ocupando ali pontos estratégicos. Todos, indistintamente, se encarregariam de uma tarefa. Todos, conscientemente, estabeleciam um preço: o direito de reivindicar um bom naco do poder, nos chamados cargos importantes.

Num dado momento da campanha, os números não deixavam dúvida de que o PMDB levaria o troféu da vitória ainda no primeiro turno. Ganhava ali contornos de luta fratricida a disputa interna, na retaguarda do candidato, pulverizando-se o resultado eleitoral da campanha, enquanto o adversário, colando seu nome ao antecessor, levantando uma mesma bandeira, viu seu nome disparar na reta final,do primeiro turno.

Ainda assim, o PMDB não deixou de digladiar por cargos e nem Maguito aceitou sugestão de acenar com setores simpáticos à sua causa de que, uma vez no governo, eles teriam garantido o cargo que motivaria sua adesão. O partido brigou, antecipadamente, pelos cargos. O candidato ignorou, olimpicamente, a sugestão de mudar a estratégia de sedução, reduzindo a margem das promessas mirabolantes.

O que o deputado José Nelto vocaliza agora, ao sugerir que um grupo peemedebista pode conversar sobre 2010 com Henrique Meirelles, dá bem uma medida do velho comportamento do PMDB. São fortes os indicadores de que Íris ganha mais um mandato. São evidentes os indícios de que os cargos da futura administração municipal já estão em disputa.

Maguito tem boas chances em Aparecida de Goiânia, mas quer reassumir a presidência do PMDB. Pode estar aí um outro roteiro da propensão que tem o partido para exercitar sua autofagia.

Há quem garanta que os exemplos vêm lá de cima e de épocas mais remotas. Em 1989 o partido protagonizou, nacionalmente e em longa metragem, o velho filme. Ulysses Guimarães, Waldir Pires e Íris Rezende promoveram a luta aberta para ver quem conquistava o direito de disputar a Presidência da República.

A luta foi tão dramática que o vencedor, Ulysses, reproduziu a vitória de Pirro. Venceu, mas não pôde contar, sequer, com seus companheiros de batalha, isto é, do mesmo partido, para a disputa presidencial. Chegaria num humilde quinto lugar na corrida. A bem da coerência e da história, é preciso registrar que os partidos políticos não mudam. Eles se revelam.

RÉQUIEM PARA UM SONHO

Orquestrado nas demais instâncias partidárias, antes incorporadas de fato, de direito e por dever, à aliança nascida em 98, o réquiem para a retirada da candidatura de Rachel Teixeira à Prefeitura tem agora sua partitura final a cargo do seu próprio partido, o PSDB. O sonho de Rachel de conquistar a unanimidade da base aliada para depois enfrentar a fortaleza Íris Rezende vai-se diluindo no enfrentamento das resistências e na pouco dissimulada queda de braço entre PP e PSDB.

A alternativa Demóstenes Torres pode ser a guinada que a todos os partidos envolvidos num condomínio de poder poderá salvar pelo contexto em que surge e pela força que, em princípio, sugere dispor para a almejada reunificação da base. A deputada perderá menos se jogar a toalha. Muito mais arrisca se insistir na empreitada, obrigando seu partido a forçar uma passagem, estreitada por um jogo de pressões nitidamente grupal.

O recuo preserva a porta aberta para a reunificação. Demóstenes surgiriam como elemento catalisador, selando uma volta ao centro da aliança PSDB-DEM, principal eixo por onde gravitariam os demais consorciados para o desafio de 2010. A oportunidade que a candidatura Demóstenes abre não alcança tão-somente a possibilidade do reencontro político entre os dois, mas alarga o espectro partidário por passar ao PP e a outros menos seduzidos com a perspectiva de poder, a idéia de que unidos podem repetir os feitos políticos até aqui. Divorciados, se obrigarão a novos pactos onde o papel de cada um será, fatalmente, menos relevante e mais coadjuvante. Agora é esperar para saber qual a leitura o PP faz de tudo isso.

Guindada ao centro das atenções na base aliada, a suposta candidatura Demóstenes à Prefeitura eleva a expectativa quanto ao posicionamento do comandante do processo, governador Alcides Rodrigues. O imediato apoio ao nome que empresta ao cenário a força da aglutinação porá fim às especulações de que o PP teria optado por uma outra trilha política, mesmo levando em contra o desafio maior que seria conter o avanço do PMDB e companhia. Ou, do contrário, vendo aí o ensejo para mudar de companhia, encerrando uma história para tecer uma aventura.


(Próximo texto: A face autofágica do PMDB)