Sob os auspícios metodológicos de um suntuoso palavrão, a prosopografia, o historiador inglês Peter Burke pretende reconstituir um momento único e dos mais definidores para a ascensão do ocidente. Prosopgraphy, no original, é a linhagem metodológica acalentada por historiadores ingleses que consiste no empreendimento historiográfico de recomposição de características de um grupo específico de atores, com vistas a recriar com detalhes um determinado período histórico. Compõe-se um universo a ser estudado com base no cruzamento de trajetórias e hábitos de um grupo de indivíduos e seus familiares, mantendo uma comparação minuciosa entre etapas corriqueiras, mas profundamente reveladoras das sociedades analisadas, tais como o casamento, a morte, as ocupações etc. Nas mãos de um hábil historiador o método pode se tornar uma fonte prodigiosa de informação e análise. Entretanto, não se trata de uma combinação matemática de dados históricos o que se encontra em Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. A ênfase nas muitas minúcias de determinados indivíduos, sempre penosa para o pesquisador e não raramente enfadonha para o leitor, decepciona quem vai em busca do escrutínio apenas de aspectos macro-históricos.
Templos devotados ao comércio no que poderia ser chamado de a pré-história da globalização, Veneza e Amsterdã vêem nos movimentos incessantes de seus portos o deflagrar de uma elite pioneiramente cosmopolita nos hábitos de vida e transformadora da noção de comércio. Burke explora à exaustão a transformação dos Entrerpreneurs em Rentier, na origem quase comum do capitalismo produtivo e financeiro. O livro, que mesmo esgotado no Brasil comemora a maioridade da publicação original, não chega a mostrar toda a desenvoltura do historiador Burke em sua seara, a Europa da Idade Moderna. Trata-se mais de um trabalho de terraplanagem para outros historiadores menos dispostos do que estava este colunista titular do caderno Mais! a mergulhar nos manuscritos e recompor uma teia de relações seiscentista. Sem grande esforço o leitor consegue divisar por entre os tipos reais analisados os traços menos caricaturais do agiota Shylock e do proprietário de frota marítima Antônio, ambos personagens do clássico shakespeariano O Mercador de Veneza.
Lebenswelt é um termo corrente em certos nichos acadêmicos das ciências humanas, sobretudo na sociologia e na filosofia. É mais um ponto teórico a orbitar ao redor dos conceitos tonificados pelo grupo de pensadores alemães reunidos sob o selo da Escola de Frankfurt, na primeira metade do século XX. Genericamente, o conceito traduzido como mundo da vida designa um “horizonte comum, no qual se desenvolve o protagonismo do sujeito, de sua interação intersubjetiva num mundo social, sem esquecer nem recusar a subjetividade de cada sujeito, muito menos a objetividade do mundo da vida.” (p. 20). Para o leitor ainda completamente perdido com esta definição, o texto de Jovino Pizzi, O mundo da vida – Husserl e Habermas, talvez permaneça não esclarecendo tudo.
O livro não esgarça a idéia a ponto de iniciar os leigos, mas para os já brevemente familiarizados neste quesito filosófico há um levantamento de valor sobre os rastros do tema na filosofia fenomenológica de Edmund Husserl. Detendo-se sobre a fenomenologia, Pizzi empresta pouca atenção à obra de Jürgen Habermas, que ao acomodar a idéia de mundo da vida como parte crucial da já decantada Teoria da Ação Comunicativa, foi quem de fato resgatou o que Husserl anteriormente havia encetado. O livro, da inexpressiva editora Unijuí, é conversa que pode exigir algumas xícaras a mais de embasamento dos freqüentadores de cafés filosóficos, mas não morde quem não tem medo de encarar algumas horas de leitura.