sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Escrevendo pelas orelhas

Zahar/ 131 pgs.

Não é novidade a idéia de Shakespeare como o lídimo puxador (que o falecido Jamelão não nos ouça!) de toda uma linhagem européia de dramaturgos. Tampouco a imagem do gênio a perturbar modelos estéticos consagrados pode reivindicar pra si a condição de inovadora. Visto assim, panoramicamente, o texto de Pedro Süssekind, Shakespeare – O gênio original, apenas repisa láureas já há muito concedidas ao autor de Hamlet. A ênfase do livro, entretanto, está muito mais nas repercussões do autor inglês na literatura alemã, gerando por vezes a branda impressão de que a obra de Shakespeare é somente o ponto de partida do autor. De gênio para gênio, Süssekind traça uma trajetória tão linear da influência de Shakespeare nos trabalhos de Goethe que até ressentiria qualquer chauvinismo literário germânico.

As construções em torno da mitologia do gênio no meio artístico são também suscitadas por Süssekind. Diuturnamente, o autor destrincha o movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto, em português, em alusão ao título de uma peça de Friedrich Maximillan klinger), anunciador do Romantismo na Alemanha, e que mesclava uma veia filosoficamente iluminista com a rejeição ao padrão do Classicismo. Nos termos de Otto Maria Carpeaux, o lendário intelectual austríaco radicado no Brasil, encontra-se a síntese do mote de Pedro Süssekind: a literatura alemã divide-se entre o antes e depois de Shakespeare (p. 34). Ao excursionar pela notória influência deste inglês nos debates e rumos da alta-literatura germânica, vê-se que nem mesmo o sentido de produção autêntica nacional, em franca construção entre os literatos alemães dos séculos XVII e XVIII, pôde prescindir do legado produzido além do Canal da Mancha. Guardadas as devidas proporções e distorções, os arranjos artísticos ocorridos no Velho Continente quase desmerecem a criatividade inovadora dos modernistas tupiniquins de 1922. Por essas lentes, deglutir a cultura estrangeira a fim de processar o elemento nacional, conforme apregoava com fervor Oswald de Andrade, já era coisa muito bem assimilada pelos artistas do passado.

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