sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Escrevendo pelas orelhas

Cia das Letras, 192 págs.


Nem Mahmoud Ahmadinejad, o lunático presidente iraniano que insiste em negar a existência do holocausto, pode negligenciar o fato de que, ao menos nas artes, o suplício dos judeus resultou em um acervo considerável de bons trabalhos. Recentemente, a tentativa da escola de samba Viradouro e de seu carnavalesco Paulo Barros de retratar na avenida o que se passou nos campos de concentração nazistas foi parar nos tribunais, e o desfecho se deu com a justiça proibindo carnaval de rimar com Solução Final. Na literatura, são fartas as obras alusivas ao tema. O irlandês John Boyne, em O menino do pijama listrado, foge do que parece ter sido a regra desde então por eleger como protagonista não um judeu, mas um garoto alemão filho de um oficial para quem o Führer tinha “grandes planos”. Depois de deixar Berlin, o garoto Bruno se depara com uma cerca diante de sua casa, e a partir daí a história se desenrola.

A narração em terceira pessoa com a perspectiva infantil municia Boyne de uma crítica ao absurdo do contexto nazista, mas a tentação a que sucumbe o autor de falar através da criança direciona o leitor a reflexões nem sempre tão verossímeis quando se trata do universo de um menino de nove anos. Tem-se a impressão de que a sensibilidade de Bruno, personagem moralmente quase intocado pela doutrinação fascistóide que o cercava, é meticulosamente arquitetada, embora este seja um elemento imprescindível para história. Os sofrimentos dos prisioneiros submetidos às sevícias e aos pijamas listrados são suavizados e em muitos trechos agravados pela ótica infantil.

Há um projeto já em andamento de adaptação do livro para o cinema. Pode surgir daí uma obra de valor e que pela perspectiva do menino alemão será posta em paralelo com livro (também tornado filme) O Tambor, a narração fantástica do Nobel de 1999 Günter Grass. Poderá ser ainda um contraponto a Josué, o menino judeu de A vida é bela do estrepitoso Roberto Benigni, mais famoso por aqui por ter levado a estatueta de ouro que por pouco não fica com Central do Brasil.

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