segunda-feira, 21 de abril de 2008

A dívida e a mística desagregadora

Críticas e apoios, concordância e seu antônimo continuam chegando a esse escriba. Nunca gostei desse tal de escriba, mas uma dessas leitoras pusilânimes garante que sou um deles. Mas hei de evoluir. Bem, vou agora me reportar a um indivíduo, mais precisamente a um fantasma, já que não quis se identificar. Garante que estou a serviço de Marconi e contra Alcides. Nem uma coisa nem outra, experimento a sensação da liberdade de expressão nesse acanhado espaço. Se bem me conhecesse saberia que minha quase radical independência profissional já me causou inúmeras dores de cabeça. Em compensação desfilo ereto (no bom sentido) sempre. Cabeça erguida e em constante ebulição, como convém ao jornalista que não se esconde.

Bom, mas ele lembra que o atual governo encontrou muitas dívidas e só agora, após dois anos, vai deslanchar. Olha, cidadão-fantasma, desde quando existe governo os mais criativos seguem o milenar costume, senão vejamos: Alcides herdou a dívida de Marconi, que herdou de Maguito, que herdou de Íris, que herdou de Santillo, que herdou de Íris, que herdou de Ary Valadão, que herdou de Irapuan, que herdou de Leonino, que.... . Viu agora? Dívida de governo não se paga, administra-se.

Se aprofundarmos na questão, tudo é culpa da União que domina a máquina arrecadadora dos impostos e depois repassa a cota dos outros ao sabor da sua conveniência política e aos auspícios de uma contabilidade enviesada, sob seu absoluto controle. As obrigações constitucionais dos repasses não anulam a lassidão burocrática que toma uma vírgula num documento como pretexto para protelar a liberação dos recursos pelo tempo que convier, asfixiando os governos. Vi a situação bem de perto quando era assíduo freqüentador do gabinete do governador Santillo (como seu assessor de imprensa) perseguido sucessivamente pelos governos de Sarney e de Collor.

Quando a União garante seu aval para os empréstimos aos governos é porque tem a certeza do retorno político. Há casos, e muitos, em que a União pressiona os governadores para ir ao exterior contrair empréstimos a juros estratosféricos, entendeu? Desta forma, uns mais outros menos, os governadores são tentados a contrair dívidas para viabilizar seus projetos. Ao sucessor caberá ir rolando, rolando, rolando e buscando mais empréstimos, mas fazendo a diferença administrativa com a criatividade e senso de prioridade. Quer um exemplo histórico? Quem mais endividou o País foi JK. Quem mais o denunciou por isso foi Carlos Lacerda. “Para construir a capital do Brasil destruíram o capital do Brasil”, dizia Lacerda com sua metralhadora impiedosa. Lacerda entrou para os anais como um dos melhores oradores e um dos mais temíveis adversários. JK entrou para a história como estadista. Foi, é e será uma saudosa e quase unânime lembrança. Só a reacionária UDN tentou macular sua biografia. Aliás, saudosistas da velha UDN e de seus hábitos golpistas estão por aqui tentando macular outras biografias. Têm tanta possibilidade de obter êxito quanto tem esse blog de decidir as eleições dos EUA a favor de Barak Obama, pela nossa identificação epidérmica.

Voltemos à província. O governador Alcides vem conjugando criatividade e contabilidade e o tempo fará o resto. Se um fariseu culpa o governo passado pela “herança maldita” só faz demonstrar inabilidade política, pois não está falando para uma população de incautos. Há quem acredita e há outros que traduzem as acusações de forma diferente. Quanto mais atacar o passado, mais protela a resolução das pendências e ainda conta com a possibilidade de ampliar o tempo na mídia, permeável à crítica, refratária aos elogios. A genealidade de Millôr Fernandes de que jornalismo é oposição, sendo o resto secos e molhados, traduz uma verdade universal, mas nem sempre aplicada nas províncias com relação aos donatários do presente. Talvez seja por isso que o foco no retrovisor tornou-se o melhor dos discursos para justificar eventuais descompassos administrativos, culpando o passado.

O discurso da “herança maldita” trai o governo por passar a idéia de que só vai deslanchar com apoios condicionados à conversão de históricos aliados em adversários. Lançar mão desse discurso é investir em sua mística desagregadora. O governador não viria confessar publicamente que assumiu o poder desconhecendo os porões do tesouro, justo ele que antes de assumir o cargo de direito já o havia assumido de fato com a desincompatibilização do titular, hoje senador. Se desconhecia, faltou curiosidade. Portanto, há gente falando demais e fazendo pouco. Entendeu, cidadão-fantasma? Muito obrigado pela crítica. Você e eu, eu e você e mais milhões de pessoas podemos, modestamente, contribuir para um debate saudável, divergente mas civilizado. Sem ele não há democracia que resista. Bom dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tô na sintonia.

Ótimo blog e excelentes análises. Mestre é mestre.

Afonso Lopes