sexta-feira, 25 de abril de 2008

Escrevendo pelas orelhas



A idéia de um ex-presidente entre os integrantes de uma jornada que percorre quase dois mil quilômetros pela selva amazônica faz arregalar os olhos de um entusiasta de caravanas políticas à cata de votos. A viagem de Theodore Roosevelt, vigésimo sexto ocupante da Casa Branca, sob o comando do aventuroso Marechal Rondon, pelos idos de 1914, entretanto, não se assemelhava em nada com qualquer “caravana da cidadania” ou coisa do tipo. Com carteira de expedicionário e passagem por safáris no currículo, Ted Roosevelt vem à Amazônia se curar da derrota amarga sofrida nas eleições presidenciais de 1912, e acaba sendo, apropriadamente, guiado por Rondon e seus homens, que à época já acumulava reputação invejável em matéria de desbravamento de terras indômitas.

Em O Rio da Dúvida a estreante Candice Millard narra com maestria aquela que foi uma quase odisséia cabocla. Socorrida pela extensa produção colhida dos diários dos expedicionários - pílulas de reflexão através das quais seus autores tentavam manter contato, introspectivamente, com o mundo civilizado -, Millard tece sem preciosismos a mistura que havia de aventura, celebrada na figura de Roosevelt, e profissionalismo, personificado por Rondon, ao longo do trajeto que tinha como motivação traçar a rota exata de um incógnito afluente do Amazonas, daí o nome Rio da Dúvida. As privações do isolamento na mata, que vão além das piores previsões dos organizadores, se encarregam de transformar a viagem de férias de Ted em saga, e que só é vencida em boa medida graças ao caráter adamantino do General Rondon e do seu acompanhante ilustre. Propositalmente ou não, o livro contribui para suavizar a imagem de um presidente que fora marcado pela política nada melíflua do “Big Stick”.

E embora recompor com minúcias as biografias dos mais notáveis membros da comitiva exploratória que contou no início com 22 integrantes não seja a tônica do texto, pode-se dizer que a impressão nas entrelinhas é de que o livro de Millard se presta à condição de quase vivandeira. Isso porque, para quem retoma os papéis históricos dos grandes nomes do exército brasileiro, resta o questionamento sobre se é mesmo merecido o título de patrono das armas dado a Duque de Caxias. Talvez a nobiliarquia estivesse mais bem empregada em uma legenda abaixo da foto de Cândido Rondon.

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