Caipirice e ultranacionalismo, quando transpostos para a interpretação da História de um determinado país, são taxativos ao afirmar que cidadão que se preza não pode comprar a versão propalada por um estrangeiro. Felizmente, essa idéia pouco prosperou entre os historiadores e leitores brasileiros, que na maioria dos casos souberam emprestar o devido valor a brasilianistas de peso, como o norte-americano Thomas Skidmore e o inglês Kenneth Maxwell. Os dois são autores de alguns dos livros que, quanto ao tema de que tratam, constam entre as mais lembradas e comentadas referências. Ainda hoje, o norte-americano é nome certo quando se busca observadores da história política brasileira. Já sobre inglês, basta dizer que sua coluna às quintas-feiras na Folha de S. Paulo é suficiente para credencia-lo como voz presente nas discussões da atualidade junto aos brasileiros.
Brasil: De Castelo a Tancredo continua na picada já aberta pelo seu antecessor Brasil: Getúlio a Castelo, lançado em 1975 por Skimore. É certo que os cinco volumes minuciosos escritos por Elio Gaspari eclipsaram boa parte do que já se escreveu sobre a ditadura militar, sem deixar muitas dúvidas sobre qual a melhor obra para se debruçar sobre o período. O texto de Thomas Skidmore, no entanto, faz duas décadas de aniversário sem perder o vigor analítico e narrativo dos fatos encadeados na sucessão política de meados da década de 1960 até o advento da Nova República. A descrição dos eventos pelo autor é intercalada com análises sóbrias e comedidas, isto é, sem perder de vista a situação ou episódio comentado, o que livra o historiador da pretensão de elaborar grandes juízos sobre as desventuras políticas, econômicas e sociais destes trigueiros tupiniquins.
Em se tratando de Kenneth Maxwell, seu A Devassa da Devassa – A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal (1750-1808), mesmo transcorridos trinta e cinco anos de seu lançamento ao público inglês, permanece para muitos como a mais relevante obra a respeito dos insurgentes de Vila Rica. Até por se tratar de um período histórico mais longínquo e menos clareado, o proscênio da recomposição da Inconfidência Mineira é ocupado pela vasta pesquisa documental empreendida. Evidência sacramentada, aliás, na alusão feita no título, uma retomada a partir dos célebres e oficialescos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. Apesar da condição de academicamente pioneiro que o livro teve ao dessacralizar o movimento dos mineiros, mostrando que as intenções de seus mentores eram mais financistas do que ideológicas, dadas as dívidas que tinham com a coroa, Maxwell não se detém na construção do mito do herói Tiradentes, iniciada pelos republicanos de 1889.
Ao final das leituras, sai-se com uma boa compreensão do seqüenciamento dos fatos relevantes nestes dois momentos cruciais do Brasil. Já que os livros não são nenhuma novidade para o público brasileiro minimamente conhecedor do assunto, não faz mal entoar um roto clichê: o olhar estrangeiro sobre nossa realidade, de posse do imprescindível distanciamento, tem às vezes o condão de lançar luzes sobre pontos que a miopia local dificilmente permite enxergar.
L&PM, 226 págs.
Morto há um ano, Kurt Vonnegut, embora desconhecido do grande público, tem fiéis e aguerridos admiradores na intelectualidade. Matadouro 5, um dos seus mais famosos livros, pode ser encarado como uma expiação dos traumas que este soldado presenciou na Segunda Guerra Mundial, sobretudo o estrepitoso bombardeio de Dresden, do qual só escapou graças ao matadouro abandonado que lhe serviu de refúgio e lhe garantiu um bom título. Não se vê nesta narrativa tortuosa do seu alter ego Billy Pilgrim toda a genialidade que lhe é apregoada, mas a prosa aparentemente despretensiosa de Vonnegut esconde muito do leitor incauto. Lançado na campanha antiguerra do Vietnã, em 1969, Matadouro 5 notabilizou, estilisticamente, o bordão lacônico com que o autor finaliza a narrativa de episódios irrelevantes ou bombásticos: “Coisas da vida”.
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