quinta-feira, 15 de maio de 2008

Escrevendo pelas orelhas


Círculo do Livro/ 232 pgs.



Consagrado como um mestre dos romances thriller, Trevanian, pseudônimo do norte-americano Rodney William Whitaker, é por si só um personagem que faria bonito se aproveitado nas páginas de suspense bem administrado compostas pelo autor. Em O Verão de Katya um narrador amargurado remonta à sua juventude como médico recém-formado, no verão de 1913, quando então se encantaria pela enigmática Katya, personagem semelhante a uma Capitu da Belle Époque. A Rua de Matacavalos em questão é Salies-les-Bains, no sul da França. As reminiscências do narrador-personagem são trespassadas pelas fortes impressões de um basco no ambiente francês. O relacionamento de algumas semanas de Jean-Marc Montjean com a família Treville, misteriosamente provinda dos salões parisienses, vai sendo composto a partir de um acidente doméstico sofrido por Paul, irmão de Katya e personagem crucial na trama. O suspense torna-se um elemento mais visível no enredo a partir da metade do livro, o que inibe qualquer artifício do autor a sobrepor-se à história.





Penguin Readres/ 100 pgs.


O leitor que começar distraidamente a encarar East of Eden, na edição inglesa da Penguin Readers, terá praguejado John Steinbeck pela pobreza de sua prosa antes da metade do livro. Estará, entretanto, emitindo juízo parcial e, pior, adquirirá a consciência de que o erro fora seu ao escolher na prateleira um livro que não é mais do que um compacto do texto original do autor de As vinhas da Ira. Penguin é uma editora cuja marca é oferecer livros em linguagem acessível aos poucos familiarizados com a língua de Shakespeare, o que pressupõe, portanto, “reescrever” textos consagrados com finalidades didáticas. A decepção que esta edição proporciona a quem pretendia – de posse de seu inglês macarrônico ou não – adentrar na literatura de Steinbeck não pode ser desestímulo a conhecer esta obra do norte-americano que conta a história de duas famílias, os Trasks e os Hamiltons, na terra natal do autor, Salinas Valley, na Califórnia. Com a presença forte de mitos e parábolas bíblicas, nem a versão “editada” do texto pode mascarar as nódoas inegáveis de naturalismo e determinismo hereditário, já não mais tão em voga nos 1950, quando o livro é publicado. Tem-se aí uma novela reveladora do estilo com que Steinbeck foi laureado prêmio Nobel.





Biblioteca Folha/ 94 pgs


Em oposição à versão do livro apresentado acima, Thomas Mann é opção certeira em matéria de densidade psicológica dos personagens, esse quase termômetro da qualidade ficcional. Os Buddenbrook é tido como um dos mais autobiográficos livros do alemão, mas é em Morte em Veneza que se vislumbra com clareza a familiaridade com que Mann lida com questões relativas ao seu universo particular. O livro narra a viagem solitária do personagem Gustav von Aschenbach, um escritor de sucesso, conterrâneo da Munique de Mann, à cidade das gôndolas do Adriático. Os lampejos do narrador sobre a condição de Aschenbach transparecem uma fina percepção, ora condescendente, ora ácida, que Mann tinha do próprio ofício. Há a notícia, contada por biógrafos, de que o escritor alemão de fato se hospedou, em 1911, no Grand Hôtel des Bains, local de estada do personagem Aschenbach, ocasião em que, como seu alter ego, também se apaixonara de maneira doentia por um garoto lá hospedado. As constantes alusões à mitologia helênica funcionam como uma moldura ao tema da pederastia - cara aos gregos, e velada nas consciências de Aschenbache e do próprio Mann. Nas entrelinhas do enredo, Morte em Veneza pode ser um intróito poderoso à literatura filosófica de Thomas Mann. Paradoxalmente, para quem busca pelo título uma ficção de suspense, encontrará nos livros acima, mas não neste, o que procura.

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