domingo, 11 de maio de 2008

Jorcelino é presente, FGV é passado

Se a Fundação Getúlio Vargas nada pode se opor – e não pode mesmo -, embora tenha sido dela todo o planejamento para a reengenharia do Estado, quando as agências tomaram o lugar de muitas secretarias tidas como ineficientes, por que deputados questionam o projeto de revisão do organograma do governo, de inspiração alcidesjorceliniana? Só porque a proposta praticamente extingue as Agências? Não, não é o caso para um raciocínio tão simplista. A proposta tem implicações a curto, médio e longo prazos. Tem suas vantagens orçamentárias, mas comporta óbvias variantes contábeis: lucros, danos e perdas do ponto de vista político.

Vamos por parte por questão de ordem. O slogan tempo novo precisava de uma marca administrativamente forte, já que politicamente o discurso e a juventude do governador conferiam a Marconi e ao seu staff o direito de evocar as inovações de sua gestão. A simples quebra de uma hegemonia produziria otimismo, gerando alentadas expectativas. Então, foi assim que a bem equipada usina de planejamento, geradora dos mais eficientes métodos de gestão pública, dentre outras virtudes concorrentes para a reputação de templo sagrado das idéias sócio-econômicas viáveis, a FGV, entrou na história e imprimiu por aqui a marca de sua modernidade, casando-se com as antecipadas promessas de diligências políticas nunca vistas. Os princípios da funcionalidade, racionalidade, eficiência e transparência intrínseco às agências governamentais derivam da universalidade de conceitos exaustivamente postos em prática.

Num país onde a eficácia de sua máquina administrativa tornou-se paradigmática, mesmo contendo vícios aqui e ali, a presença de inúmeras agências governamentais na administração pública americana decorre da insuspeita concepção. Podem não ser elas apanágio único, mas é parte indispensável de uma administração moderna, antípoda da sonolência pública, quando o Estado tem feições paquidérmicas. Foi em direção à modernização da máquina pública do país que agências como a ANP, Aneel e tantas outras foram criadas em substituição a ministérios soterrados em burocracia e de onerosos custos. A Agência Brasileira de Informação, sucedânea do SNI, foi a última inspiração no Brasil. Intencional ou não, é cópia aproximada da National Security Agency (Agência de Segurança Nacional). Roga-se para em termos de eficiência e finalidade assemelhem-se bem mais. É o caso de conformar-se ao adágio de inspiração imperialista: O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Ainda pela ordem, a parte mais visível do projeto que chegou após meses de expectativa à Assembléia Legislativa em nada contribuiu para desfazer tensões e oferecer clarividências. Sua face mais notada é a proposta de extinção de inúmeras agências reguladoras, aquelas sugeridas pela FGV e que constituem a espinha dorsal da anterior reengenharia administrativa. Focada no encurtamento do organograma, a proposta não oferece visibilidade à trajetória futura dos operadores das agências.

Nem os que fazem a leitura objetiva dos termos propostos, podendo endossar, alterar, discordar e verbalizar o ponto de vista na condição de deputados – prós ou adversários do governo – têm a dimensão exata das conseqüências políticas subjacentes, pela ausência de tópicos esclarecedores. A preliminar indispensável à compreensão dos objetivos do governo já está fixada para a opinião pública em face do descompasso entre receita e despesas.

O que ainda permanece nebulosa é a posição da espada de Dâmocles, já que o sincretismo dos governos de ontem e de hoje não permite prever quais critérios poderão ser utilizados na distinção, dentre o funcionalismo público, de quem é e quem não é passível de ser atingido - ou seria defenestrado?

Antes, há o pressuposto de que personagens tão presos a compromissos politicamente compartilhados terão dificuldades de montar projetos paralelos só porque é vital construir estilos administrativos distintos. Divergências circunstanciais e históricos recentes, escritos em conjunto, tornam o contexto menos claro, elevando o volume das dúvidas na maior bancada da Casa, núcleo básico da tropa aliada.

À falta de elementos mais elucidativos em vista da complexidade da mensagem e das entrelinhas por onde infiltram incertezas e desconfianças até na bancada oficial, as declarações do presidente da Assembléia, ainda que ponderadas, foram provedoras de atmosfera um tanto opaca, consubstanciando questionamentos, fomentando indagações num efeito dominó. Esclarecê-las é fundamental, sem que se consigam contornar as imbricações políticas.

Até que tudo ganhe o halo da transparência estendida a todos os pontos, parêntesis, vírgulas e interrogações, o contexto meio nebuloso permanece, enquanto o texto da mensagem pouco esclarece. O que explica a inversão de papéis e os riscos do desfecho. Na Assembléia, a bancada que deveria se opor à proposta está aplaudindo tudo por antecipação, confundindo o plenário. A bancada de apoio ao governo está politicamente dividida e aritmeticamente perdida num curioso enigma: nem 100% a favor, nem 100% contra.

Por fim, esgotada a questão de ordem, um adendo: o problema terá de voltar a seu ponto de origem. A participação da FGV já é fato passado. O compromisso do secretário Jorcelino Braga é com o presente.

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